A relação entre o governo que se inicia em janeiro e os funcionários públicos não será fácil. Apesar de tantas incógnitas quanto às propostas da nova administração, já se sabe que uma prioridade é reduzir o montante de gastos com pessoal, por duas razões simples. A primeira, é o viés liberal do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, que recebeu praticamente carta branca do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para gerir a área. Ele defende a redução do tamanho do Estado para turbinar o crescimento econômico, o que ficou claro no título do programa de governo durante a campanha eleitoral: “Mais Brasil, menos Brasília”.
A outra razão para conter os gastos com pessoal é que qualquer presidente tenderia a fazer isso. Não há alternativa diante dos impasses fiscais que o país enfrenta. A União não consegue sequer economizar para pagar juros desde 2014, e continuará assim por um bom tempo, fazendo com que a dívida pública não pare de crescer. É preciso mexer tanto na Previdência quanto na estrutura da máquina. Os servidores públicos tiveram aumentos generosos, acima da inflação, nos governos petistas. Será difícil continuar assim, ou mesmo manter a remuneração no patamar atual, com reajustes pela inflação.
Os servidores pretendem resistir. Não querem partir do pressuposto de que cabe a eles o sacrifício para o ajuste das contas. Mas isso não quer dizer que estão irredutíveis. Nas entidades sindicais, há consciência do tamanho do problema fiscal e da necessidade de busca de uma solução. Estão, portanto, dispostos a conversar e negociar. O problema é que não abrem mão de manter os acordos salariais acertados e os privilégios.
Os servidores admitem que o ajuste das contas é necessário e a reforma da Previdência tem que acontecer, mas não nos moldes propostos pelo atual e pelo novo governo. E continuam defendendo pautas históricas como cumprimento dos acordos assinados em 2015. Reajuste de, no mínimo, 50% da contribuição da União para o plano de saúde dos servidores. Política salarial permanente com correção das distorções e reposição das perdas inflacionárias. Data-base em primeiro maio. Direito irrestrito de greve e negociação coletiva no serviço público, com base na Convenção 151 da OIT, entre outras.
A sanção do aumento de 16,38% para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem efeito cascata em todo Poder Judiciário e no Ministério Público, reforça a intenção dos servidores do Executivo de forçar a porta do cofre. A possibilidade de aumento dos soldos de militares pelo presidente eleito também faz com que os funcionários públicos federais tentem, pelo menos, manter os acordos de 2015.
Para Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), as políticas de austeridade, focadas em sucessivos cortes de despesa, venda de patrimônio público e flexibilização de direitos, produziram o efeito oposto ao propalado ajuste. “Houve a pior recuperação da história econômica brasileira, desemprego elevado, mais pobreza e mais violência, além de desorganização das políticas públicas e dos serviços à população”. Marques considera que a acusação de que os servidores são os vilões da Previdência é um equívoco.
Nas ruas, servidores estão divididos. Adriana Costa Barbosa, 35 anos, funcionária da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), disse que não está satisfeita com o que imagina que acontecerá. “Essa reforma da Previdência é assustadora. Não tenho dúvida de que vai retirar direitos. Mas somente os nossos. O exemplo deveria vir de cima. Por que os governos nunca mexem com os juízes, com os parlamentares e com os militares?”, questionou.
Para Antônio Paulo Carvalho, 45, do Ministério da Fazenda, ainda há esperança de que a nova equipe econômica entenda que não pode usar a mesma fórmula que os mandatários do passado. “O período de transição é complicado. Mas quando o ministro (da Economia) Paulo Guedes tomar pé da situação, perceberá que o problema não está no Executivo. Quem ataca os cofres públicos não são os que mais trabalham”, afirmou.
Projeção
De acordo com o Ministério do Planejamento, até 2021, o quadro de servidores vai cair quase pela metade. Existem atualmente 633.902 funcionários civis ativos. Desse total, 107.567 recebem abono de permanência, ou seja, são aposentados que continuam trabalhando (a maioria nos ministérios da Saúde, Fazenda e no INSS). Além desses, 201.795 estão em condições de se aposentar nos próximos três anos (29.092 até maio de 2019; 32.550 até maio de 2020; e 32.586 até maio de 2021). Somando-se os 107.567 com abono aos 201.725 que poderão vestir o pijama, o quadro dos ativos cai 48,80%. Em 2021, serão apenas 324.540 ativos.
Sem detalhes sobre como o enxugamento da máquina se dará, especialistas temem queda na qualidade dos serviços à população. “Efetivamente não vai ser possível fazer atendimento de forma satisfatória com esse número reduzido de pessoas na administração federal”, afirma Emerson Casali, especialista em relações de trabalho. Diante desse quadro, Casali acredita que o novo governo encontrará um meio de sanar o dilema, “nem que seja na forma de incentivo para que as pessoas trabalhem por mais tempo”.
Como o foco da reestruturação é equilibrar as contas públicas, o diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, é não “distribuir maldades”. Para ele, o ajuste fiscal precisa centrar na extinção de privilégios. “Para os governistas, tudo deve ser aprovado; para os oposicionistas, tudo deve ser reprovado. O consenso é quase impossível. A discussão das reformas envolve a redução de privilégios e não é popular. No Brasil atual, privilégio é uma vantagem que os outros usufruem. Nos casos pessoais, são sempre direitos adquiridos”, ironiza. Castello Branco destaca que, sem o reequilíbrio das contas públicas, o país se tornará ingovernável e a administração pública entrará em colapso.
Correio Braziliense