Programas incompletos, falta de diálogo com outras instituições, propaganda irregular, imposição de uma “mordaça” e assédio moral a funcionários. Estas acusações, entre tantas outras, são elencadas em um ofício enviado pela Associação dos Servidores do Ministério do Meio Ambiente (Assema) ao titular da pasta, Ricardo Salles, e ao Tribunal de Contas da União.
O documento centra fogo na Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA), responsável por programas como a Agenda Ambiental Urbana, uma série de ações que, segundo os críticos de Salles, deixaria em segundo plano pautas como o combate ao desmatamento e às mudanças climáticas. Embora tenham sido anunciadas ainda no primeiro semestre do ano passado, quatro das seis iniciativas ainda não viraram realidade.
Procurado pelo GLOBO, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu os pedidos de entrevista até o fechamento desta reportagem.
Dois eixos, ligados a saneamento e águas contaminadas, sequer tiveram seu cronograma de elaboração e planejamento montados. Outros dois, voltados a qualidade do ar e áreas verdes urbanas, têm o lançamento adiado desde o ano passado. Apenas dois programas estão em vigor, o Plano de Combate ao Lixo no Mar e o Lixão Zero.
Ainda assim, o ministério já teria recorrido a propaganda enganosa para divulgar seus resultados. Os servidores ambientais afirmam, no ofício, que a pasta apropriou-se de resultados obtidos por estados e municípios ao anunciar em uma rede social que mais de 400 toneladas de lixo foram coletados no Dia Mundial dos Oceanos (8 de junho), em esforços que reuniram mais de 40 mil participantes em mais de 200 frentes, distribuídos pelos 17 estados litorâneos:
“Quando muito, houve a autorização para o uso da logomarca do PNLCM [Plano de Combate ao Lixo do Mar] em algumas poucas ações específicas, o que não condiz, portanto, com as ‘entregas concretas e tangíveis’ que o Secretário de Qualidade Ambiental [André França] insiste em atribuir ao Ministério do Meio Ambiente’, destacou o ofício.
— A agenda urbana não tem planejamento. Processos em curso na gestão anterior, com recursos garantidos, foram interrompidos — explicou um servidor do ministério ao GLOBO, sob condição de anonimato. — Não há diálogo com os servidores, estados, municípios e sociedade civil na definição das ações. Foca-se apenas em aspectos imediatistas e midiáticos, como a coleta de lixo em praias e o plantio de áreas verdes em cidades e não se busca enfrentar as causas estruturais dos problemas.
De acordo com a Assema, diversos trabalhos do ministério foram interrompidos, por razões variadas, desde o início da gestão de Salles. Entre eles está a revogação de colegiados que coordenavam, por exemplo, o zoneamento econômico-ecológico do território nacional. Para fazer este trabalho, cada um dos nove estados da Amazônia Legal teria R$ 10 milhões de recursos do Fundo Amazônia. A doação, porém, foi suspensa pelo ministro — que, segundo a associação dos servidores, alegou “supostos financiamentos irregulares irregulares a ONGs, nunca comprovados”.
A alta rotatividade de chefias também deixa áreas do ministério acéfalas, dificultando a implementação de programas. Três diretores e cinco coordenadores já passaram por um mesmo departamento da SQA desde o início de 2019, e foram exonerados sem aviso prévio. Por outro lado, há um cargo de confiança da secretaria vago desde novembro.
— A descontinuidade das agendas [do ministério] nos preocupa. Elas tinham um forte componente social — revelou outra servidora, que também não quis se identificar, temendo represália. — Não posso sentar na minha mesa e dizer que sou o dono da bola e deixar passar a boiada. Falta articulação com a academia e com populações locais. A extinção e a forma como os colegiados foram refeitos são problemáticas por perder a diversidade e o conteúdo técnico.
Outro obstáculo da SQA é a dificuldade de comunicação com outros setores do próprio ministério e, também, com antigos parceiros de programas. Servidores da secretaria receberam recentemente um e-mail anunciando que precisariam de “aprovação prévia” de suas chefias à realização de “qualquer contato externo”.
A direção também estimula que as demandas sejam feitas informalmente, por correio eletrônico ou mensagem de WhatsApp. A orientação é evitar o Sistema Eletrônico de Informações (SEI), um instrumento considerado de transparência por permitir a consulta pública a políticas administrativas.
O documento também destaca que Salles excluiu o Ibama e órgãos fiscalizadores estaduais aum programa de rastreamento digital da movimentação de resíduos sólidos no país, o Manifesto de Transporte de Resíduos Sólidos (MTR). Assinada no último dia 29, a iniciativa conta com o apoio apenas de uma entidade privada, a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes.
O Globo