Durante décadas, o Brasil contou com os ‘soldados da malária’, agentes da antiga Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) que borrifavam o inseticida pelas casas para acabar com o mosquito transmissor da doença. Hoje, esses mesmos trabalhadores sofrem com as sequelas da exposição ao material tóxico que utilizavam, conhecido como DDT, e lutam por um plano de saúde compensatório por todos os danos sofridos. O Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Amazonas (Sindsep-AM), composto por muitos ex-soldados da malária, também segue nessa batalha.
“Nosso sindicato empreita uma luta árdua há anos para a reparação dos danos causados na vida desses trabalhadores. Travamos debates junto a parlamentares no Congresso Nacional, buscando garantir benefícios aos chamados ‘soldados da malária’, que trabalharam com material tóxico, prejudicando suas vidas e a vida de suas famílias por anos”, comenta Walter Matos, secretário-geral do sindicato e ex-borrifador de DDT.
Dentre os problemas de saúde causados pelo DDT, destacam-se: irritabilidade, coceiras no corpo, problemas respiratórios, complicações pulmonares, vômitos, desmaios, dores de cabeça, alterações no sistema nervoso, amnésia, insônia, osteoporose, púrpura, hipertensão, problemas cardíacos, alcoolismo e casos de câncer, além de muitas mortes precoces, na faixa etária dos 50 anos, bem como registros de conflitos e alto índice de divórcios nas famílias desses trabalhadores devido à irritabilidade gerada pelo DDT.
Plano de saúde
O composto do DDT foi proibido em 1998, após estudos demostrarem danos à saúde. Por este motivo, a Proposta de Emenda à Constituição de n. º 101 quer garantir um plano de saúde a todos os trabalhadores expostos à substância tóxica.
Atualmente, a PEC aguarda criação de Comissão Especial que possa avaliar o tema e encaminhar para aprovação no plenário da Câmara Federal. No dia 20 de outubro o texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mesa mais importante da Câmara dos Deputados.
A proposta da PEC n.º 101 é de autoria do deputado federal Mauro Nazif (PSB-RO), que trabalhou na extinta Sucam, órgão federal que coordenava os profissionais que trabalhavam com o DDT.
Walter Matos antecipa que o Sindsep-AM deve enviar um representante à Brasília de modo a pressionar o Congresso Nacional no avanço da pauta junto ao plenário. “Pretendemos mandar um representante para somar forças junto à Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, que enviará uma força-tarefa a Brasília entre 9 e 11 de novembro. O objetivo será pressionar para a instalação dessa Comissão especial, permitindo que a pauta continue em andamento”, explica Walter Matos.
Trabalho precário
O secretário-geral do Sindsep-AM atuou com borrifamento de DDT por mais de 20 anos no interior do Amazonas, principalmente na região próxima a Barcelos e Novo Airão. Segundo ele, os servidores da extinta Sucam lutam há anos com os sindicatos em todo Brasil para que o governo federal faça a reparação dos danos causados pelo DDT. Ele ressalta que as sequelas do inseticida já foram reconhecidas pela Funasa em 2008.
“O manual que vinha com o inseticida dizia que ele era prejudicial aos animais domésticos, mas não falava nada sobre os seres humanos. E para piorar, a exposição ao material era muito grande, porque nossos equipamentos eram precários. A Sucam exigia farda, meia e sapato preto, mas o próprio servidor que precisava providenciar”, lembra Walter Matos.
Ele explica que havia pouca orientação sobre o manuseio correto do inseticida e destaca que era comum sentir desconfortos na saúde já naquela época. As sequelas iam aparecendo conforme avançava o uso do inseticida, no entanto, não havia a quem reclamar.
“Tenho problema no pulmão e meu médico afirma ser por conta do DDT. Mas não só o trabalhador era prejudicado. A minha mulher lavava a minha roupa impregnada com esse inseticida. O tecido ficava duro por causa dele. Por isso, defendo que o plano de saúde se estenda para a família também”, comenta Walter Matos.
Sintomas da exposição
Outro ex-soldado da malária que sente na pele as consequências do trabalho com DDT é Vilmário Soares, de 59 anos. Ele atuou como guarda de epidemias, também no Amazonas.
“Comecei a borrifar o DDT em 1989 e segui com esse inseticida até 1998, quando foi proibido. A experiência foi muito complicada, porque ficávamos muito expostos a ele. Diversas vezes precisamos misturar o material com as próprias mãos porque não tínhamos equipamento. Sentíamos coceira, dor de cabeça e formigamento na pele já naquela época”, conta ele.
Segundo Vilmário, os trabalhadores pensavam que esses sintomas eram causados pela roupa utilizada por eles, que cobria todo o corpo. Além disso, não havia estudos concretos que mostrassem os danos do inseticida como hoje.
“Hoje, temos certeza de que não era a roupa e sim o próprio DDT. Por isso acredito que temos direito a esse plano de saúde, porque nós fomos os guerreiros da malária na época, era nosso serviço e abraçamos a causa para ajudar o país”, reflete o servidor.
Estrutura precária
Além da exposição ao DDT, os trabalhadores precisavam se submeter a condições escassas de trabalho. Ivan Tavares Ramos, hoje aposentado com 67 anos, começou a trabalhar como agente de saúde pública na Sucam em 1975. Ele conta sobre a péssima assistência dada pela repartição.
“Não recebíamos nenhum tipo de EPI. Tínhamos que nos virar para nos proteger do inseticida. Eu viajava pelo rio Purus para borrifar na cidade de Pauini e tudo o que nos davam era uma lancha que mais parecia uma canoa com lona. Nem sequer tinha banheiro, e éramos cinco agentes juntos. Enfrentamos muita dificuldade”, lembra o servidor.
Ivan perdeu grande parte da audição e atribui essa sequela ao uso do DDT. “Sinto pouco e acredito que seja do inseticida, porque tínhamos um balde de dez litros e quando não havia pá para mexer, tínhamos de usar as próprias mãos. Então muitos colegas já partiram deste mundo porque pegaram câncer originado por essa substância”, lamenta o aposentado.
O Sindsep-AM orienta a todos os trabalhadores que acompanhem a tramitação da PEC º 101, que garante plano de saúde a esses trabalhadores. Juntos, será possível pressionar os parlamentares a aprovarem esse benefício que é mais que justo para os soldados da malária, os quais, por anos, defenderam os brasileiros do risco de doenças endêmicas como malária e dengue.
“Salvamos vidas e hoje lutamos pelas nossas”!