Conhecidos como ‘soldados da malária’ ou ‘guardas da malária’, diversos funcionários da antiga Superintendência de Campanha de Saúde Pública (Sucam), atualmente Fundação Nacional de Saúde (Funasa), convivem, até hoje, com as sequelas causadas pelo contato inadequado com o DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), desde a década de 60, quando um surto de malária afetou as regiões norte e nordeste do Brasil. A situação de abandono desses servidores foi mostrada, no último dia 21 de março, em reportagem do programa Domingo Espetacular, exibido pela TV Record.
Com uma simulação do dia a dia dos trabalhadores, a reportagem exemplificou, na prática, como ocorria o processo de aplicação do DDT nas residências: sem luvas, máscaras ou qualquer outro equipamento de proteção individual que pudesse impedir ou amenizar a exposição dos trabalhadores à substância tóxica, hoje proibida por lei.
O secretário geral do Sindsep-AM, Walter Matos, observa que o trabalho com DDT continuou até 14 de maio de 2009, quando o presidente Lula assinou uma lei proibindo o uso da substância. “No entanto, os servidores continuaram a manipular inseticidas e o fazem até hoje”, comenta o sindicalista.
Com a experiência de quem vivenciou, por mais de 20 anos, a rotina da borrifação, como era denominado o trabalho dos guardas da malária, Matos lembra que o DDT era tão forte que se uma galinha ou qualquer animal doméstico comesse um inseto abatido pelo veneno também morria.
Sequelas
Fortes dores no corpo, impossibilidade de locomoção, problemas cardiocirculatórios, esquecimentos (demência), obesidade e até câncer são algumas das consequências com as quais os ex-servidores da Sucam precisam conviver. Além disso, a reportagem da Record chama atenção para o fato de que o sistema imunológico dos sobreviventes é extremamente debilitado, o que abre portas para todo e qualquer tipo de enfermidade.
Com a pandemia de Covid-19, a situação se agravou ainda mais, tendo em vista a disparada no preço dos medicamentos. Recebendo, em muitos casos, menos de um salário mínimo, os ‘guardas da malária’ têm encontrado muitas dificuldades para manter a continuidade dos tratamentos para suas sequelas.
“Nossa luta para ajudar esses companheiros intoxicados pelo DDT já vem de anos, tanto no Amazonas, como no Acre, Rondônia, Pará e outros estados do país. Ainda em 2013, realizamos em Manaus um grande seminário de onde foram tiradas várias iniciativas, sendo uma delas atuar junto a parlamentares para que fosse aprovado algum projeto de indenização a esses trabalhadores, que seria uma aposentadoria vitalícia. Infelizmente, essa ideia não prosperou, mas a luta continuou”, lembra Walter Matos.
Além de diversas ações judiciais (algumas já com sentenças favoráveis os trabalhadores), atualmente, tramita no Congresso Nacional a PEC 101/2019, que estabelece a concessão de plano de saúde aos servidores da extinta Sucam afetados pelo DDT. Entretanto, até o momento, não há previsão para votação do projeto.
Mentira
Um trecho da reportagem da TV Record que chamou a atenção foi o fato da direção da Funasa ter dito que o vínculo dos ‘soldados da malária’ era com estados e municípios, o que, conforme o secretário do Sindsep-AM, não procede.
“É uma mentira grosseira, de quem não tem conhecimento do caso, pois esses trabalhadores eram funcionários públicos federais e o vínculo sempre foi com essa esfera de governo. O processo de municipalização do serviço só começou a partir de 1990, mesmo assim, o vínculo trabalhista continuou a ser com o governo federal”, frisa Walter Matos.