Após enxurrada de críticas que levou a hashtag #BolsonaroGenocida para o topo dos assuntos mais comentados do Twitter, o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) disse ter voltado atrás da suspensão salarial dos trabalhadores por um período de quatro meses e retirou da Medida Provisória 927/2020 o artigo 18º. Entretanto, análises aprofundadas do texto apontam que o artigo 2º, mantido no instrumento que tem força imediata de lei, também possibilita a suspensão de salários mediante acordo entre empregador e empregado.
De acordo com o escritório Wagner Advogados Associados, assessoria jurídica da Condsef/Fenadsef, o artigo 2º significa um cheque em branco, em que empregador pode assinar o que quiser, dispensado de cumprir as leis estipuladas em instrumentos jurídicos vigentes, como negociações coletivas e normas da CLT.
Para a Condsef/Fenadsef, a íntegra da MP é criminosa por retirar renda da população, abandoná-la à própria sorte e excluir os sindicatos de sua atuação fundamental que é proteger o trabalhador por meio de acordos coletivos. A Confederação, em diálogo com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), estuda recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de entidades legitimadas para derrubada da medida. “É responsabilidade do Estado compensar a renda da população mais afetada por essa crise, seja com reposição salarial, seja com anistia de contas básicas, seja com assistência social. Isso deve ser feito com dignidade, não como uma esmola dada por favor”, critica o Secretário-geral da Condsef/Fenadsef, Sérgio Ronaldo da Silva.
Ao anunciar a retirada do artigo que deixava explícita a possibilidade de suspensão de salários, Bolsonaro argumentou que houve mal entendimento da matéria e que o texto deixava clara a participação do Estado em pagar compensações. A declaração é mentirosa. Disponível na íntegra para o acesso de qualquer cidadão com acesso à internet, a MP 927 em nenhum momento menciona auxílio do Estado.
Malícia do governo
Para Neuriberg Dias, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a MP como um todo é problemática. O artigo 2º, que mantém a possibilidade de suspensão salarial dos trabalhadores, é avaliado como a essência da medida e escancara de que lado o governo está na crise econômica. “A MP coloca a CLT de lado; não dá segurança para o trabalhador; exclui os sindicatos, que são parte importante da proteção social; anula toda a legislação que protege o trabalhador, jogando os empregados para um caminho sem opção”, explica Dias. “O trabalhador fica rendido ao processo de negociação direta com o empregador. Claro que cada empregador é um caso, mas é perigoso dar a brecha. O importante é garantir a renda”, aponta.
Tramitação
O analista político esclarece que a retirada do artigo 18º é pequena. Inserido inicialmente na medida, ele dispunha sobre direcionamento do trabalhador para qualificação, que já é previsto na CLT. A diferença, explica Neuriberg, é que a CLT possibilita afastamento de dois a cinco meses para qualificação, período que depende de negociação coletiva e é coberto pelo Estado, que arca com o pagamento de até um salário mínimo durante o curso, concedido via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Com a MP, o tempo de afastamento fica fixado em quatro meses, sem FAT e com desobrigação de pagamento de salário por parte do empregador. De acordo com análise de Dias, o governo quer burlar o mecanismo que funciona para qualificar o trabalhador para não ter que pagar salários.
Diante da flagrante inconstitucionalidade, a medida mais correta, segundo o analista político do Diap, seria o Congresso devolver a medida. Entretanto, Neuriberg recorda que o presidente do Senado, que preside também o Congresso, nunca devolveu nenhuma MP do governo, por mais inconstitucional que fosse. A previsão é de que, a partir de agora, deve-se abrir um processo de negociação no Parlamento, para que seja garantido o mínimo de renda para o empregado ao mesmo tempo que proteja o empregador.
“A tarefa do Parlamento e das centrais sindicais deve ser de valorização do Estado, que deve sim compensar as perdas salariais dos trabalhadores”, disse Dias. Ele critica a postura do governo, que faz o Estado entrar em diversas compensações, dando recursos para as companhias aéreas, por exemplo, mas retirando o trabalhador da sua rede de proteção.
A Condsef/Fenadsef intercederá no Congresso pela devolução da medida e acompanhará atenta a tramitação da matéria. Para o Secretário-geral, o que o Brasil precisa é da imediata revogação do Teto dos Gastos (EC 95), suspensão do pagamento de juros e amortizações da dívida pública, taxação de grandes fortunas e da implementação de políticas de assistência à classe trabalhadora, assim como outros países vêm fazendo.
Condsef/Fenadsef