Na última semana, a ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, recebeu o JOTA para uma hora de conversa em seu gabinete, no Bloco K da Esplanada dos Ministérios. Na entrevista, Dweck afirmou que, após quase dois anos de governo, vê o Congresso disposto a negociar com o Executivo os temas da Reforma Administrativa. Para ela, a melhor forma de defender a estabilidade no serviço público é estimular a existência de bons mecanismos de avaliação, como o Programa de Gestão de Desempenho (PGD) e a criação de regras para analisar o desempenho dos servidores durante o estágio probatório de três anos.
A ministra também foi questionada, em detalhes, sobre as possíveis contradições da negociação salarial com o conjunto do funcionalismo e disse que este processo já foi permeado pela portaria de reorganização de carreiras, revelada pelo JOTA, em janeiro, e materializada em ato publicado este mês. Esther ainda contou detalhes sobre a criação de uma nova carreira transversal na área de Defesa e Justiça. Também avaliou o Concurso Nacional Unificado, que, caso tenha uma nova edição, deve ser feito com, pelo menos, uma mudança. Leia a seguir:
É possível afirmar que o conjunto da sociedade brasileira será melhor representado no serviço público federal após o Concurso Nacional Unificado?
Ainda falta a seleção, de fato, dos candidatos. Mas, do ponto de vista da oportunidade, isso com certeza aconteceu. O nosso grande objetivo era ter gente do Brasil inteiro inscrita na prova. Isso foi atendido. Temos só 10 municípios que não tiveram gente inscrita, uma coisa inédita na história.
A gente conseguiu, então, facilitar pelo acesso. Teve também nível de renda mais baixo, em média. A gente teve 400 mil pessoas que se inscreveram para concorrer às vagas de cotas, tanto de pessoas negras, como de pessoas com deficiência e pessoas indígenas, no caso da Funai. A gente vai conseguir cumprir as cotas de pessoas negras. No caso de pessoas com deficiência, a gente ficou muito feliz que a abstenção foi mais baixa que a média, o que significa, quase certo, que a gente tende a cumprir as cotas. Como as salas são especiais, a gente sabe quais foram as salas de pessoas com deficiência e consegue medir especificamente a abstenção desse grupo.
Agora, esse é um processo contínuo. A maneira de aplicação da lei de cotas antes era bem ruim. A pessoa negra passava em primeiro no concurso e entrava como cota. O piso virava teto. Se a pessoa negra passou em primeiro, ela passou em primeiro e não está concorrendo às vagas de cotas. Isso também é uma coisa que tende a aumentar a diversidade. Vamos esperar o final para a gente fazer esse balanço.
Olhando em retrospectiva, quando teve lá a crise do Rio Grande do Sul, a senhora achou que podia naufragar o CNU?
Naufragar não, porque eu acho que a gente já estava com acúmulo muito grande. A gente achava que o risco era de uma judicialização que impedisse o término do certame, né? E a pior coisa num concurso é o concurso que não termina. A gente teve um caso que foi o concurso para gestor lá atrás, que no final acabou embargado. Aquele concurso nunca aconteceu. Então, a pior coisa que poderia acontecer seria isso: o concurso não chegar ao seu final.
A gente teve um nível baixíssimo de judicialização, isso por um trabalho muito importante da equipe que organizou. A equipe do Zé (José) Celso e o Fred (Frederico Coutinho, diretor da Secretaria de Transformação do Estado), pessoalmente, se envolveu muito. Junto com a AGU, TCU… Então, para a gente, lá atrás, se tivesse feito uma coisa que prejudicasse a população do Rio Grande do Sul, tentasse manter no Rio Grande do Sul sem nenhuma condição, a judicialização seria muito alta.
Os novos focos de judicialização do concurso são conhecidos?
São os típicos de qualquer concurso público. O que a gente tem feito para diminuir é seguir à risca o edital, né? Um edital bem feito ajuda muito a diminuir o risco de judicialização. Onde pega a judicialização? Quando o edital tem coisas subjetivas, que permitem dupla interpretação. Acho que a gente teve um cuidado muito forte na elaboração do edital para que as coisas fossem muito claras e objetivas.
Claro que tem um milhão de pessoas que realizaram a prova. O potencial é alto. Mas eu acho que quanto mais a gente tiver um edital claro e seguir as regras do edital, menor o risco da Justiça, de fato, conceder alguma coisa. Até agora, as coisas que surgiram estavam previstas no edital, e tem uma orientação clara sobre o que fazer.
Quantas novas vagas no serviço público são precisas para justificar uma segunda edição do CNU?
Essa é uma variável relevante, mas a gente não fechou esse número. Claro que tem uma questão de custo-benefício. Não precisa ser 6 mil, pode ser menos. Mas o mais importante para a gente tomar a decisão final é fazer uma boa análise de tudo o que deu certo, do que precisa aprimorar. A gente tem um acompanhamento da nossa equipe com o Ipea. Eles estão fazendo um estudo muito bem feito sobre o custo-benefício. A gente quer ter esse estudo terminado para avaliar. Valeu a pena? Vamos fazer outro? Ampliou o acesso? A forma de seleção deu certo? Os servidores foram bem selecionados? Tudo isso precisa ser avaliado para um novo CNU. Por isso que eu falei que a nossa decisão vai ficar mais no final do ano mesmo.
A gente está fazendo agora uma análise da prova propriamente, do conteúdo da prova. Até a prova estar sendo aplicada, a gente não conhecia a prova. Ninguém do governo teve acesso à prova, porque a gente tinha um malote trancado numa sala segura.
“Teve uma coisa que as pessoas falaram que a gente já pensou. De manhã, redação mais uma prova objetiva e, à tarde, só provas objetivas. Muita gente questionou isso. Isso é uma coisa que a gente vai avaliar. Então, por exemplo, esse balanceamento entre uma prova discursiva mais a objetiva de manhã… Isso é uma coisa que a gente vai avaliar”.
Que tipo de crítica já tem chegado sobre o conteúdo da prova?
É engraçado que você tenha críticas de todos os lados. Isso é um bom sinal. Montamos o edital, orientamos a banca na linha do que o governo tinha interesse, né? Mas a parte de elaboração da prova mesmo não coube a gente, né?
Eu tomei o risco de escrever que a aplicação da prova tinha sido bem sucedida, pelos desdobramentos de tudo o que ocorreu no dia do certame. A senhora tem essa percepção?
Tenho essa percepção. Eu acho que foi bem sucedido, sim. Isso não significa que não tenha coisa para aprimorar, como qualquer política. Teve uma coisa que as pessoas falaram que a gente já pensou. De manhã, redação mais uma prova objetiva e, à tarde, só provas objetivas. Muita gente questionou isso. Isso é uma coisa que a gente vai avaliar. Então, por exemplo, esse balanceamento entre uma prova discursiva mais a objetiva de manhã… Isso é uma coisa que a gente vai avaliar. Mas, lembrando, isso é uma questão isonômica. Foi para todo mundo igual. Então, se o tempo estava mal balanceado entre a manhã e à tarde, foi para todo mundo. Todo mundo vai ser afetado por isso e tende a não afetar o resultado final do concurso.
Como será o novo modelo de estágio probatório? Os novos servidores, inclusive do CNU, já passarão por um novo modelo que, digamos, seja pra valer?
É isso. Acho que essa frase é importante. Acho que a gente tem falado muito isso, que o concurso é a primeira etapa para as pessoas entrarem no serviço público. Mas ela não deveria ser a única. A Constituição prevê um estágio probatório de três anos. É até um tempo maior que uma empresa para fazer de teste. Claro que a empresa depois pode, no limite, demitir com todos os ônus que cabem à demissão. Mas a empresa geralmente faz o teste. Faz o teste de três meses, para ver se efetiva a pessoa. O governo federal, justamente porque é mais estável e mais perene, tem três anos de avaliação. E a gente acha que essa avaliação precisa ser aprimorada. E ser realmente um critério de avaliação. E não simplesmente um tempo que a pessoa fica lá e depois ela fica efetivada.
Então, têm carreiras que fazem isso de uma forma melhor, outras que fazem pior. E não pode ser isso. Tem que ser uma coisa meio padronizada. Então, por isso, a ideia do decreto, que nunca existiu. Um decreto que padroniza o estágio probatório. Primeiro, um curso de formação, independente da carreira exigir ou não. Tem carreiras que o curso de formação é a última etapa do concurso e você só toma posse depois do curso de formação. Mas a gente acha que tem que ter um curso de formação para todo mundo que entrar no serviço público.
Isso está dado com a previsão de curso de formação de 250 horas, online, pela Enap. Mas vai ser uma exigência?
Será uma exigência.
E vai depender de um decreto para ser uma exigência?
Isso. Mas, além disso, é a questão da avaliação periódica. O curso de formação é quase que uma ambientação do servidor. Mais do que a ambientação, é a avaliação periódica. Então, a gente vai colocar prazos de avaliação para que tenha alguns critérios mínimos. Vai ter uma avaliação não só do chefe da unidade. Tem a própria autoavaliação, a possibilidade de avaliação de pares. Você vai aumentar a possibilidade de avaliação. A gente provavelmente vai também ter planos de trabalho mais objetivos, que permitem uma avaliação melhor, se a pessoa está cumprindo ou não. Mas é, de fato, fazer com que o estágio probatório seja uma última avaliação antes da pessoa ter estabilidade.
(José Celso Cardoso Junior, secretário de Gestão de Pessoas do MGI) Na verdade, assim, na Lei 8.112 já vem um rol de critérios lá. Assiduidade, aquela coisa toda. O que a gente está fazendo é converter esses critérios numa métrica de avaliação. Quanto pesa cada coisa. Entendeu? E introduzindo alguns novos, né?
Ou seja, vai ter uma pontuação referenciada…
(José Celso) Exato.
E essa nova turma de servidores vai estar submetida a esse decreto?
Não só do CNU. 9 mil e tantos. Ou até mais, né? Todo mundo que teve concurso autorizado em 2023 e em 2022 também. Tem gente do concurso de 22 que entrou agora, né? Quem entrou agora vai estar submetido às regras desse decreto.
É para quando o decreto?
Esse semestre agora, em breve até. A gente, na verdade, está fechando, está discutindo com a Casa Civil.
“Eu sou favorável que todo mundo tivesse PGD. O PGD melhora a gestão da unidade. Você obriga a unidade a se pensar, ajuda o chefe a distribuir melhor o trabalho e depois saber cobrar das pessoas. Nem todas as unidades querem isso, porque tem muitas unidades que preferem manter a carga horária. Mas a gente tá mostrando que o PGD não exime você a estabelecer um horário que a pessoa tem de estar disponível. O PGD não é remoto, necessariamente”.
Ainda no campo da avaliação, usando o estágio como exemplo, temos servidores em PGD [Programa de Gestão e Desempenho] e outros que não estão no programa. Isso cria diferenças na hora de avaliar, não?
Quem está em PGD já tem um plano de trabalho instituído, é mais fácil de você fazer essa avaliação. É só ter mais elementos, né? Mas a exigência de avaliação (no estágio) vai ser para todo mundo. Eu sou favorável que todo mundo tivesse PGD. O PGD melhora a gestão da unidade. Você obriga a unidade a se pensar, ajuda o chefe a distribuir melhor o trabalho e depois saber cobrar das pessoas.
Então, o PGD é uma coisa muito positiva em termos de gestão. Claro, ele tem como contrapartida o fim da carga horária como um critério. Nem todas as unidades querem isso, porque tem muitas unidades que preferem manter a carga horária. Precisa da pessoa ali, de tal hora até tal hora. Mas a gente está mostrando que o PGD não exime você a estabelecer um horário que a pessoa tem que estar disponível. Com o PGD, você só não tem bateção de ponto, mas você pode exigir que a pessoa esteja disponível. Se for atendimento de público, que a pessoa esteja naquele horário. O PGD pode ser presencial. O PGD não é remoto, necessariamente. As pessoas associam muito o PGD ao trabalho remoto.
Em outubro, o novo PGD entra em vigor. Fica a impressão que o nível de resistência é muito alto…
Não sei se é uma resistência ou uma dificuldade objetiva.
A senhora está com uma boa expectativa?
Quando me trouxeram a possibilidade de adiar a implementação do novo PGD, eu falei: ‘só vou adiar se a gente tiver certeza que essa data vai ser cumprida. Porque eu não quero adiar depois de novo’. De fato, teve um atraso no sistema. Então, o pessoal alegou que, ah, não tinha um sistema… O trabalho podia ter sido feito para implementar depois. Mas é uma inovação. Como toda inovação, tem as suas resistências.
No fundo, não é nem que as pessoas não achem bom o modelo. É que dá mais trabalho. Exige um planejamento. E aí você muda um pouco a cultura dos órgãos, realmente. Eles têm que se planejar, dividir, qual que cada um vai fazer. O que acaba acontecendo no serviço público: você até tem o que a unidade vai fazer. E aí ela vai dando trabalho à pessoa que fez um bom trabalho, manda mais trabalho para aquela pessoa. E aquela pessoa se sobrecarrega e os outros ficam lá fazendo o básico… Então, quando você faz o PGD, você redistribui o trabalho de forma melhor. Você vê quem está trabalhando mais e quem está trabalhando menos. Tudo isso fica mais explícito. E exige dos chefes, das unidades, mais responsabilidade. Nem que ele não tenha responsabilidade, mas exige um trabalho a mais.
Nesse momento, a intenção é melhorar a pactuação de trabalho e, no futuro, transformar isso em uma efetiva avaliação de desempenho?
São as duas coisas juntas, viu? Porque, assim, o PGD inclui uma avaliação. Inclusive, a gente tem duas instruções normativas que definem esses critérios, e é a que dá justamente as consequências. Então, hoje, se a pessoa não cumprir, já pode ter redução do salário, ela já pode ter, sistematicamente, uma avaliação.
Mas os casos são muito pontuais. A Anac, por exemplo, aplica. A senhora está disposta a efetivamente usar o PGD como instrumento de avaliação?
Sim, porque eu sou uma pessoa que defendo muito a estabilidade do servidor público. Defendo muito o serviço público. E eu acho que, para a gente poder defender isso com tranquilidade, tem que demonstrar que as pessoas trabalham bem. Porque, infelizmente, até por uma tentativa de desmerecer o serviço público, pega-se casos isolados e os transforma em casos gerais. Você vai pegar lá aquela pessoa que não faz nada… Ela vai existir em uma empresa também, vai existir em qualquer lugar, e transforma ele como se fosse o servidor público padrão. E não é verdadeiro.
No CNU, eu fiz questão de ir lá no centro de comando e controle. Havia uma quantidade enorme de gente que estava num domingo trabalhando para o negócio dar certo. Não estou nem falando dos contratados que estavam lá na ponta da mesa, que são contratados pela banca. Estou falando dos servidores públicos. Tinha gente da AGU, tinha gente do MGI, da Dataprev, dos Correios, da Abin, Ipea. No centro de comando e controle, tinha Inep, Abin, Senaspe, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal. Todo mundo ali no centro de comando. Fora as pessoas que estavam trabalhando nas pontas. Isso é a realidade do serviço público.
Tem que mostrar a gente trabalhando porque ninguém vê isso. Só vê o caso específico, um servidor fez alguma coisa errada ou o cara que não trabalha. E eu acho que o PGD tem esse papel também, de demonstrar a quantidade de horas trabalhadas. E eu acho que isso é uma coisa que fortalece o serviço público.
Há carreiras que querem 100% de teletrabalho. Isso pode dificultar o controle?
Eu espero que quanto maior for o percentual de teletrabalho, maior seja o controle. Eu acho que tem uma discussão no mundo sobre teletrabalho. A gente sabe que em algumas áreas isso é uma realidade, em outras áreas está reduzindo. Então, eu acho que o próprio serviço público pode discutir isso com bom senso. Lembrando que o teletrabalho é instituído por cada ministério. Em tese, cada secretaria pode instituir a própria regra de PGD e, consequentemente, o percentual de gente que está em teletrabalho, que não está, etc. E eu acho que cabe a cada órgão fazer esse balanço, né? A quantidade de gente que está faz sentido? Não faz? Estão trabalhando bem? Aumentou a produtividade? Diminuiu a produtividade? Acho que isso precisa ser avaliado.
“[Na negociação com as carreiras], fazer o negócio perfeito não é barato, nem rápido, nem fácil. Para eu poder fazer o negócio perfeito, custa caro. Porque, obviamente, é difícil eu rebaixar quem está em cima, mas é mais fácil aumentar quem está embaixo. Mas a gente conseguiu ir caminhando internamente dentro das categorias. A gente conseguiu fazer isso. Não foi perfeito o processo, mas a gente caminhou sim na direção…”
Lá atrás, o MGI disse que o princípio que nortearia as negociações salariais seria a redução das distorções e aproximação de salários com função semelhante. Ao final do processo, a senhora acha que conseguiu isso?
Acho que a gente conseguiu caminhar nessa direção, sim. A gente conseguiu algumas coisas importantes. Você já me perguntou lá atrás. ‘Ah, mas é muito mais difícil fazer uma negociação um a um. Era mais fácil ter feito um linear’. Eu falei: não, porque o linear vai consolidando situações ruins entre as carreiras. Eu acho que a gente foi fazendo, assim, de forma meticulosa. Carreira a carreira, vendo o que era mais importante, na linha do que a gente estava tentando. Por exemplo, no caso da educação: foi uma longa negociação. Tanto no caso dos técnicos quanto dos docentes. No caso dos técnicos, os níveis iniciais estavam muito distorcidos. A gente conseguiu fazer justamente uma escadinha ao contrário. Quanto mais baixa a remuneração, maior foi o aumento percentual para diminuir internamente na carreira as distorções.
Então, acho que a gente foi fazendo várias coisas aí nessa linha. Se a gente quisesse fazer o negócio perfeito, não é barato, nem rápido, nem fácil. Para eu poder fazer o negócio perfeito, custa caro. Porque, obviamente, é difícil eu rebaixar quem está em cima, mas é mais fácil aumentar quem está embaixo. Mas a gente conseguiu ir caminhando internamente dentro das categorias. A gente conseguiu fazer isso. Não foi perfeito o processo, mas a gente caminhou, sim, na direção…
Existe uma percepção dos sindicatos que algumas carreiras, com remuneração maior, tiveram acordos mais vantajosos, enquanto outras, de menor remuneração, tiveram acordos piores. Quais foram os critérios que balizaram os índices de correção?
Então, de novo, a gente não olha só o critério entre as carreiras, era dentro de cada carreira. Não era só o momento atual, é o histórico da carreira e também a lógica de futuro, no caso de algumas carreiras. A gente foi fazendo toda essa análise para poder chegar nesses percentuais. O aumento médio no PCC-TAE todo foi quase 22%. Aumento médio. Então, tem que olhar a lógica como um todo. A gente olhou para todas as carreiras desse 2003. Então, teve um importante olhar para garantir tanto um critério entre carreiras, mas dentro de cada carreira e que fosse atender a demandas da própria categoria. Por exemplo, dentro das carreiras, a gente deu menos para os PECs (Plano Especial de Cargos). Eles tiveram 800% de aumento, entre 2003 e 2023.
Então, a gente foi tentando garantir os padrões, tentando manter uma lógica de conseguir chegar ao que seria o ideal no serviço público, que é uma tabela. Tem o teto, carreira tal ganha X% abaixo do teto, outra X% abaixo, outras… Em nenhum lugar do mundo todo mundo ganha igual. Por exemplo, a gente aproximou Incra e Funai da carreira ambiental. A gente foi fazendo dentro dos padrões de carreiras. Os percentuais foram sendo definidos na própria negociação, na prioridade que cada carreira deu.
Exceção feita a alguns casos, como Funai e ATPS, a expressiva maioria das negociações ocorreu depois de fechar acordo com a Polícia Federal e com a Receita Federal. Os sindicatos sempre mencionam que estes acordos foram melhores, ainda mais com a Receita, que negociou diretamente com a Fazenda. Em que medida isso dificultou todo o processo?
No caso da Receita, o que aconteceu? Foi um acordo de 2015 feito pela presidenta Dilma, em que criava-se o bônus da Receita. A gente tem uma análise muito crítica dessa maneira do bônus, porque o bônus, sendo igual para todo mundo, o aposentado também ganha, é uma meta institucional. Não é um bom critério de produtividade. Mas existia esse acordo. Esse acordo foi definido lá em 2015, implementado pelo Temer. O Temer fez um decreto de valor fixo e nunca mais se discutiu o assunto. Quando o Ministro Haddad assume, o governo do presidente Lula assume, a Receita cobra dele um acordo que era do governo do PT anterior. Ele, então, se compromete em honrar o acordo que tinha sido feito e, portanto, regulamentar o bônus.
De fato, acabou começando uma carreira que tem um salário relativamente mais alto que a média das carreiras de serviço público federal. Mas era fruto desse acordo que foi honrado. Era uma decisão de seguir essa regra, mas a gente conseguiu algumas coisas importantes ali. Uma foi ter valor fixo, assim, você tem o máximo. Ajudou a não ficar essa sensação de que pode ser qualquer número. Isso foi muito importante. O Ministério da Fazenda concordou com a gente nisso, e as categorias, no final, concordaram também. A gente não poderia ter uma coisa que permitisse pagar qualquer valor, que desse a sensação que qualquer carreira vai sempre ganhar o teto e, basta reajustar o teto, que vai ter reajuste. Então, a gente conseguiu demonstrar para as demais carreiras que isso não seria uma política do governo. A gente conseguiu que nenhuma outra carreira tivesse bônus aprovado.
E, daí, só a Receita ficou com o bônus…
Mas, da Receita, a gente não tinha como revogar a lei. A gente até gostaria. Adoraríamos. Aí sim, o Ministério da Fazenda se comprometeu em manter um acordo do governo da presidenta Dilma. Isso é o que foi feito. A grande pressão das demais carreiras era ‘queremos o nosso bônus’. E a gente conseguiu demonstrar que isso não seria mais uma política do governo. A gente não é contra você ter uma remuneração variável por desempenho, mas tem que ser, no mínimo, da unidade. Uma métrica que, de fato, valorize o esforço do servidor. E não simplesmente uma métrica institucional, onde todo mundo contribui igual, todo mundo ganha igual. E continua o mesmo…
O governo vai levar o Projeto de Lei Orçamentária para o Congresso. Nos corredores, o pessoal está falando que os acordos custam, em média, R$ 12 bilhões, por ano. É alguma coisa perto disso?
Eu nem sei o número exato. A nossa construção foi quase que de baixo para cima. A gente deu um prazo (para encerrar as negociações) até a última sexta-feira. As carreiras que não entraram, a gente não vai ter previsão no orçamento.
“[A portaria de carreiras] não é uma orientação para as entidades. A entidade pode pedir o que quiser. As entidades vão pedir o que elas quiserem. Elas vão ser submetidas a negociação, e aquilo vai ser a nossa baliza. ‘Quero ter uma carreira de nível superior’. Se você demonstrar que, de fato, eu preciso mudar a requisição, a gente vai mudar. Não é que está proibida, mas tem que ter uma justificativa. Não é simplesmente o que eu quero”.
Nesse contexto, o MGI publicou uma importante portaria com um novo modelo de carreiras, que será balizador do debate e de novas negociações no futuro. Os sindicatos criticaram, como já era esperado, inclusive recorrendo à judicialização. Por isso, a portaria pode simplesmente ser uma boa intenção e morrer na praia. O que fazer para que isso não aconteça?
Primeiro que ela já foi implementada antes de existir. Acho que isso é muito importante. A gente seguiu aqueles critérios. Essa portaria, suas diretrizes, já existia desde o início do ano. Desde o ano passado… Já era uma coisa da área de gestão de pessoas, de coisas que eles já tinham muito acúmulo. Isso já foi sendo utilizado na negociação de carreiras, o alongamento, por exemplo. A questão do salário inicial… Não ter bônus… Tudo isso a gente foi implementando.
Então, ela já funcionou para a implementação dos atuais acordos. Várias das coisas que estão lá, a gente conseguiu realizar na prática. Quais foram os dois questionamentos? O alongamento de carreiras, que até os parlamentares de esquerda questionaram, embora a maior distorção disso era as carreiras de mais alto salário. A gente, inclusive, vai fazer uma conversa com eles para explicar isso… E a outra coisa foi a questão do nível médio virar nível superior. Não é que a gente proíba, mas a gente tem que ter realmente um critério para fazer essa decisão. A gente não autorizou mudar o requisito de ingresso para ninguém.
E a outra coisa que também já funcionou: têm vários órgãos pedindo para criar carreiras próprias, no caso da Cultura, por exemplo. Quando eles trouxeram a possibilidade, a gente mandou para eles a minuta, e eles fizeram uma proposta totalmente alinhada com a portaria.
Quem chegar no MGI hoje para negociar reestruturação de carreiras, terá a portaria como referência?
Os representantes do governo. Isso aqui não é uma orientação para as entidades. A entidade pode pedir o que quiser. As entidades vão pedir o que elas quiserem. Elas vão ser submetidas a negociação, e aquilo vai ser a nossa baliza. ‘Quero ter uma carreira de nível superior’. Se você demonstrar que, de fato, eu preciso mudar a requisição, a gente vai mudar. Não é que está proibida, mas tem que ter uma justificativa. Não é simplesmente o que eu quero.
Mas os grupos remuneratórios, para que comece a se aproximar de uma tabela única ou de algumas poucas tabelas…
Isso a gente está trabalhando também. A gente foi trabalhando. A área de Ciência e Tecnologia, por exemplo, tinha mais de 10 remunerações diferentes de centavos.
Vocês fecharam cerca de 40 acordos agora. Quando serão fechados novos acordos?
Se tudo é certo, em 2027. Não seremos nós, provavelmente, aqui. Agora, uma coisa importante: a gente não deixou ninguém sem garantir a inflação. Então, para todo mundo, qualquer servidor, ativo, inativo, vai ter a recomposição da inflação do período do presidente Lula e algum ganho real. Todo mundo, sem exceção. Isso a gente garantiu. A gente tinha essa preocupação.
Inclusive, carreiras onde 80% são aposentados. Não é por isso que a gente vai deixar de fazer a negociação salarial. Lembrando que a paridade parece um ganho para o servidor. Mas, em compensação, se você ficar sem reajuste… Qualquer aposentado tem, no mínimo, a inflação. Os aposentados do serviço público, não. Se não tem reajuste, já é zero para todo mundo. Então, os aposentados ficaram também sem reajuste em todo o período anterior.
“Sobre a PEC 32, se o Congresso resolver votar, não será o texto que está lá. Isso a gente acha que tem uma boa expectativa. Os sinais que a gente recebe do Congresso são que, sim, o Congresso está disposto a dialogar. Não vão fazer nada sem o governo estar junto. Mas não posso dizer 100%. A minha sensação é de que ela não caminhará se não for por uma conversa com o governo. Isso sim, acho que dá para garantir. Agora, se ela está morta, não. Porque está lá, tem uma PEC no Congresso, e essas PECs do Congresso podem ressurgir a qualquer momento”.
Existe uma nova carreira transversal para ser lançada. A parte visível, por enquanto, é o Ministério da Defesa. Mas ela também inclui Ministério da Justiça e GSI. A senhora confirma que ela inclui essas três?
A gente está justamente negociando com todo mundo isso. A nossa ideia é que ela possa ter mais que isso. Não são apenas esses. Nós desejamos que ela fosse mais ampla. Porque a gente, hoje em dia, já tem algumas carreiras transversais importantes. Carreira de infraestrutura, ATI, temos a ATPS, gestores… A própria área administrativa tem um grau de transversalidade, embora os concursos sejam para as caixinhas dos órgãos. Mas a gente quer transformá-la em uma carreira mais transversal também. E a gente acha que faltam algumas carreiras transversais com nível de especialização, que complementam essas que já temos hoje. Então, faltam realmente nessa área de Defesa, Justiça, Direito. E a gente está, obviamente, conversando com os órgãos. Isso não compete com as carreiras que eles têm hoje. Ela tem esse caráter mais de gestão, de pessoas também especializadas em determinados temas, que possam atuar no órgão. Ela pode ser chamada de transversal setorial, com funções de formulação, implementação e monitoramento.
Em outra frente, os sindicatos esperam pela regulamentação da convenção 151 da OIT. Vai sair ou não?
Vai, está pronta. Junto com a lei de greve. É uma decisão política minha desde o início. A gente fez uma pactuação. Fez o grupo de trabalho e juntou a lei de greve. E eu acho que está cada vez mais claro que para os servidores a lei de greve hoje em dia é visto como algo positivo, pela maneira como o próprio Judiciário tem lidado com as greves (do setor público). A gente quer mandar para o Congresso nesse segundo semestre.
Com o avanço dessa agenda, a senhora acredita que a PEC 32 [reforma administrativa] está morta?
Sobre a PEC 32, se o Congresso resolver votar, não será o texto que está lá. Isso a gente acha que tem uma boa expectativa. Os sinais que a gente recebe do Congresso são que, sim, o Congresso está disposto a dialogar. Não vão fazer nada sem o governo estar junto. Mas não posso dizer 100%. A minha sensação é de que ela não caminhará se não for por uma conversa com o governo. Isso sim, acho que dá para garantir. Agora, se ela está morta, não. Porque está lá, tem uma PEC no Congresso, e essas PECs do Congresso podem ressurgir a qualquer momento.
Jota