O Brasil tem passado por uma grande turbulência de opiniões nessas eleições e grande parte desta confusão é devida as “fakenews” (notícias falsas). Entretanto, pesquisadores, cientistas e professores têm maiores preocupações e estas deveriam ser compartilhadas pelo resto da sociedade ao escolher um candidato. O assunto é tão sério e catastrófico para o país que integrantes de órgãos como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Universidade do Estado do Amazonas (UEA) lançaram um manifesto pela Amazônia e pela ciência do Brasil, fazendo oposição ao plano de governo de Jair Bolsonaro e dando apoio ao plano de governo de Fernando Haddad e Manoela.
Nestas eleições, há dois planos de governo bem diferentes e enquanto o de Fernando Haddad tem como meta a reformulação do Ministério de Ciência e Tecnologia, o que recebe apoio unanime das instituições de ensino e pesquisa de norte a sul do Brasil, o de Bolsonaro prevê a extinção da pasta, o que afeta a soberania do Brasil e o torna dependente da tecnologia e ciência de outros países, segundo afirma o pesquisador e doutorando do Inpa, Lucas Ferrante.
Especialista em temas como expansão agrícola, mudanças climáticas e biodiversidade, o cientista respondeu perguntas e comentou pautas importantes sobre os dois planos de governo.
Entre os destaques de sua explanação, o fato do Brasil hoje ter soberania cientifica e tecnológica em algumas áreas como o importante papel de muitas instituições de pesquisa na produção de vacinas. O sucateamento destas instituições, que seriam uma consequência do plano de governo de Jair Bolsonaro, poderia tornar o Brasil vulnerável a surtos de doenças tropicais que tendem a aumentar devido a total ausência de políticas ambientais no governo do candidato.
Confira a entrevista:
1 – Como o plano de cada candidato aborda a ciência Brasileira?
Hoje, a ciência está presente em tudo, no celular, nos remédios e até na produção agrícola do país. Entretanto, o plano de governo de Bolsonaro ignora completamente a importância da ciência para o seu desenvolvimento, o que o torna vulnerável e tende a conduzi-lo a uma crise de tecnologia e dependência tecnológica de outros países. O plano de Haddad, entretanto, tem se pautado pela reformulação do ministério de ciência e tecnologia, diferente de Bolsonaro que prevê a extinção da pasta. Devido a este motivo, diversas instituições de pesquisa e universidades do Brasil declararam publicamente apoio a Haddad e aversão ao plano de Bolsonaro. Aqui no Amazonas, não foi diferente, esta semana lançamos o manifesto onde Inpa, Ufam e UEA se manifestaram contra o plano de governo de Bolsonaro, por ser este um risco para a existência destas instituições e soberania cientifica do estado. Haddad, por outro lado, traça estratégias reais para desenvolvimento cientifico do Brasil. A questão é tão séria que até a revista Nature (de maior impacto científico no mundo), manifestou preocupação com a ciência brasileira pelo plano de governo de Bolsonaro.
2 – Que espaço o desenvolvimento do agronegócio e da agricultura familiar poderão ter num futuro governo Haddad ou Bolsonaro?
Haddad não tem se mostrado um candidato fechado ao estabelecer conexões com o agronegócio, inclusive tem apoio de Ciro Gomes, cuja vice, Katia Abreu, é uma das mais fortes ruralistas. No segundo turno, Haddad já sinalizou a adoção do plano de governo de Ciro, sendo que esta junção de Haddad com o “centrão” da lugar ao agronegócio em seu governo. O plano de Haddad tem uma seção especifica de título “Viver bem no campo” que aborda muito bem a agricultura familiar. Dentre os tópicos, estão produção de alimentos saudáveis, políticas para o agronegócio, democratização da terra e reforma agraria, fortalecimento de agricultura familiar de base agroecológica, aquicultura e pesca, direitos humanos e sociais no campo, viver bem no semiárido (focando questões de abastecimento e agricultura no Sertão), além de proteção e defesa dos animais. Cada um destes tópicos é explicado em detalhes em seu plano, inclusive como serão executados.
Contrariamente, Bolsonaro pretende fundir os ministérios de meio ambiente e agricultura em uma só pasta, o que é perigoso tanto para o meio ambiente como para a própria agricultura, uma vez que isso deixa vulneráveis ao impacto gerado pelo agronegócio em larga escala pequenos produtores e comunidades tradicionais. Na região Amazônica é comum atividades de grilagem de terra de pequenos produtores ou invasão de áreas de uso de comunidades tradicionais que praticam agricultura familiar de subsistência por madeireiros, mineradores, grandes pecuaristas e plantadores de soja. O plano de Bolsonaro para a agricultura em nenhum momento menciona a palavra agricultura familiar ou agroecologia, sendo constituído apenas por duas páginas subdivididas em tópicos, não explicando como cada tópico será executado. Os tópicos do plano de governo de Bolsonaro são ‘Política e Economia Agrícola’, ‘Recursos Naturais e Meio Ambiente Rural’, ‘Defesa Agropecuária e Segurança Alimentar’, ‘Pesca e Piscicultura, Desenvolvimento Rural Sustentável’ e ‘Inovação Tecnológica’.
Em uma síntese dos dois planos de governo, podemos esperar uma inclusão tanto no agronegócio quanto da agricultura familiar em uma futura gestão Haddad, em contrapartida em possível governo Bolsonaro, podemos esperar a vulnerabilização da agricultura familiar que poderá até mesmo ser suprimida pelo agronegócio, atividades minerarias ou hidrelétricas como já temos visto ocorrer na Amazônia.
3 – A partir do que disseram os presidenciáveis até o momento, e a partir de seus programas de governo, como eles, provavelmente, irão tratar da questão ambiental no país?
Os candidatos têm planos de governo e falas completamente opostas sobre a questão ambiental. Enquanto Haddad prevê uma transição ecológica, tendo um plano de equilibrado e realista, Bolsonaro prevê um desmonte das questões ambientais em seu governo, como a extinção do ministério do meio ambiente e afrouxamento dos licenciamentos ambientais, além de sinalizar em suas falas o rompimento de acordos internacionais que visam reduzir as mudanças climáticas e desmatamento.
Haddad tem uma posição firme em relação ao meio ambiente, pautando seções especificas em seu plano de governo que abordam a transição ecológica, desmatamento zero e proteção da biodiversidade, políticas de baixa emissão de carbono, além de utilização de energias mais limpas, como eólica, solar e biomassa. Diferentemente dos governos anteriores do PT, Haddad não tem priorizado hidroelétricas como uma matriz chave para geração de energia, o que é um avanço ambiental muito grande, dado aos grandes impactos ambientais e sociais que as hidroelétricas causaram na Amazônia.
Contrariamente, Bolsonaro já manifestou que órgãos ambientais não devem ser um entrave para construção de hidroelétricas. Além disso, a extinção do ministério de meio ambiente e ciências e tecnologia devem afetar drasticamente toda a pesquisa em biodiversidade e serviços ecossistêmicos do Brasil, que inclusive torna o país vulnerável e incidentes climáticos como secas estremas, inundações e surtos de doenças tropicais. A falta de política ambiental adotada por Bolsonaro fragiliza o controle de empresas que causam grande impacto ambiental, como o desastre de Marina, que além de ser um dos maiores desastres ambientais já vistos no Brasil, foi responsável pela morte de 20 pessoas e perda inestimável do patrimônio físico de muitas famílias. Bolsonaro ainda discursa sobre a liberação da caça de animais silvestres, o que poderia colapsar a biodiversidade brasileira e afetar diversos serviços ecossistêmicos desempenhados pela fauna que beneficiam a população.
4 – Como cada candidato traça as estratégias para a educação em seu plano de governo?
Haddad, quando ministro da educação, teve um papel extremamente ativo na expansão dos campis de universidades por todo o Brasil, além de surgimento de institutos federais e novas universidades, isso é inegável e deve ser reconhecido. No atual plano de governo, ele ainda prevê continuidade da acessibilidade das universidades, além de maior investimento na educação básica, o que realmente é importante neste momento.
Já Bolsonaro tem um plano que é inaceitável para qualquer educador sério. Ele menciona que a política educacional de Paulo Freire deva ser banida, entretanto, isso demostra apenas o quanto seu plano de governo careceu de especialistas na área, uma vez que Paulo Freire está entre os maiores teóricos educacionais do mundo, sendo que seu trabalho resultou na alfabetização de milhões de brasileiros.
Outras ações de seu plano de governo como políticas econômicas também tendem a afetar a educação. Exemplo disso é a atual arrecadação do polo industrial de Manaus, cuja arrecadação de impostos beneficiam diretamente a Universidade do Estado do Amazonas (UEA). As políticas liberais de Bolsonaro tendem a não somente afetar toda a economia da região, mas também repercutem diretamente sobre a manutenção da Universidade. Este é um plano de governo que podemos esperar um efeito dominó, assim como o plano econômico tende a afetar a Zona Franca de Manaus até chegar a afetar a Universidade do Estado do Amazonas, a extinção dos ministérios de ciência e tecnologia e meio ambiente tendem a afetar diretamente o setor de saúde, pois são estas áreas que atuam diretamente sobre doenças tropicais por exemplo.