Um grupo de deputados e senadores tem se reunido por videoconferência, pelo menos uma vez por semana, para discutir a reforma administrativa. A intenção é concluir, até agosto, uma proposta que possa ser debatida em conjunto com o texto que o governo prometeu enviar.
Composta por cerca de 200 congressistas, a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa avalia que a crise provocada pela pandemia de covid-19 só reforça a necessidade de mudanças nas regras da administração pública. Presidente da frente, o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) defende que o assunto seja enfrentado pelo Congresso de maneira racional – sem tratar o servidor público como vilão.
“É um assunto que tem de ser discutido sem vilanizar o servidor público. Ele não é vilão, mas vítima também do sistema”, disse Mitraud ao Congresso em Foco. A declaração do deputado vai na contramão das posições do ministro da Economia, Paulo Guedes, que já comparou servidores a “parasitas”, “inimigos” e “ladrões”.
“Uma ou outra fala dele acaba não pegando bem. Ele tem de tomar cuidado com a forma com que vai ser interpretado. Mas isso não muda o diagnóstico de que temos regras fora do comum em relação a outros países”, ressaltou o parlamentar mineiro. A frente tem participação ativa de mais de 50 parlamentares. Entre eles, os senadores Antonio Anastasia (PSD-MG) e Kátia Abreu (PP-TO), que são vice-presidentes e promoveu sua primeira audiência pública na segunda-feira (8) para discutir uma medida provisória (MP 922/2020) que amplia as possibilidades de contratação temporária na administração pública.
Para o presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, deputado Professor Israel (PV-DF), o grupo liderado por Mitraud dá um passo adiante ao repudiar os ataques de integrantes do governo ao funcionalismo. “Nós temos alguns pontos de consenso. Entendemos que o linguajar e a narrativa que o governo tem construído dificulta o diálogo. Mesmo os parlamentares apoiadores da reforma ficam constrangidos. Não é criando bode expiatório e inimigo externo que vamos avançar”, disse o deputado ao Congresso em Foco. A frente em defesa do serviço público também reúne cerca de 200 congressistas.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também apoia a reforma e cobrou publicamente do governo, na semana passada, o envio do texto. Mas a proposta está na gaveta do presidente Jair Bolsonaro desde novembro. Bolsonaro é visto como o grande obstáculo à aprovação da reforma administrativa por não querer comprar briga com os servidores públicos.
“O pior inimigo para a discussão é o governo, que cria uma animosidade difícil de ser rompida”, avaliou Israel. “Não tem a menor chance de essa reforma ir adiante com o atual governo. Não vão conseguir”, acrescentou.
Diferentemente do colega, Mitraud ainda acredita na aprovação da proposta. Ele admite que, embora considere mais urgente a revisão da estrutura estatal e do funcionalismo, a pandemia impede o avanço do tema no Congresso. “Botar em votação agora sem proposta do governo é improvável e inadequado. Imagino que a ideia do presidente Maia seja aguardar pela proposta do governo para discutir. Mas não vai ser no meio da pandemia.”
Na avaliação do deputado, o momento é oportuno para avançar nas discussões para que o assunto esteja amadurecido quando os trabalhos voltarem à normalidade, com as sessões presenciais.
Mesmo divergindo sobre a necessidade da reforma, as duas frentes têm alguns pontos em comum.
Além de repudiarem os ataques aos servidores, Mitraud e Professor Israel defendem que as regras que vierem a ser aprovadas, como o fim da estabilidade, só sejam aplicadas para quem ingressar na administração pública após a publicação da lei. Guedes já manifestou desejo de que as mudanças alcançassem os atuais servidores.
“O fim da estabilidade para futuro servidor é mais viável, até por questão de judicialização. Entendo que houve um contrato entre o Estado e o servidor quando ele prestou concurso. Discutir daqui para frente já é um passo”, explicou o deputado mineiro.
“Também concordamos [com a frente da reforma administrativa] que a reforma não pode ter como base a crise fiscal, mas a melhora da prestação do serviço público e dar eficiência ao Estado. Se não você cai na tentação de fazer cortes lineares, pouco inteligentes, que vão redundar em economia burra. Pode vir uma reforma mal feita que faça o Brasil retornar 60 anos”, afirmou Israel, que apoia algumas iniciativas, como mudança nas regras de transferência de servidores e reestruturação de carreiras.
Defensor da reforma, o ministro da Economia ainda não conseguiu convencer o presidente a desengavetar a proposta apresentada a ele ainda no ano passado. Paulo Guedes, no entanto, tem despertado repúdio pela forma pejorativa utilizada para se referir aos servidores.
Fim da estabilidade de servidor público voltará a ser discutido após crise
Na reunião ministerial de 22 de abril, por exemplo, ele disse que jogou uma granada no bolso do inimigo ao incluir o congelamento de salário de servidores como condição para liberar auxílio financeiro a estados e municípios. “Todo mundo está achando que, tão distraídos, abraçaram a gente, enrolaram com a gente. Nós já botamos a granada no bolso do inimigo – dois anos sem aumento de salário”, afirmou.
Em 2019, o ministro comparou os servidores a parasitas que sugam o Estado. “O governo está quebrado. Gasta 90% da receita toda com salário e é obrigado a dar aumento de salário. O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação, tem estabilidade de emprego, tem aposentadoria generosa, tem tudo, o hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita, o dinheiro não chega no povo e ele quer aumento automático, não dá mais”, disse Guedes.
Desde o ano passado, o governo adiantou algumas mudanças que pretende propor. Entre elas, estão a revisão do salário inicial, a redução do número de carreiras e o aumento do prazo exigido para o servidor conquistar a estabilidade. Essa garantia seria alcançada mediante avaliação de desempenho após um período variável conforme a categoria.
Congresso em Foco