Uma matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo no dia (28), expressou mais um capítulo do lamentável compromisso da mídia corporativa brasileira e de seus experts, porta-vozes do Estado mínimo e dos interesses dos setores rentistas e improdutivos da sociedade, em detrimento dos direitos e garantias da maioria esmagadora da população do país, composta por trabalhadores e trabalhadoras que elegeram mais e melhores serviços públicos.
Não é surpresa que o braço discursivo de grupos empresariais lesa-pátria, que desde sempre concedeu importantes espaços de vocalização contrários às políticas sociais brasileiras – mais recentemente no contexto dos debates sobre a Reforma Trabalhista (2017) e a Reforma da Previdência (2019) – coloque na conta das aposentadorias de trabalhadores e de trabalhadoras os anos amargos do golpismo em que os investimentos públicos despencaram.
Baseado em “cálculos do especialista em contas públicas Raul Velloso” o texto é considerado incompleto, tendencioso e alarmista. A supervisora técnica do Dieese, Mariel Lopes, avalia que a matéria traz muita conclusão de correlação para pouco índice. “É importante calcular e acompanhar o déficit atuarial para manter a sustentabilidade do sistema previdenciário, e o aumento de receitas é muito bem vindo, mas não significa que isso deve ser feito à custa de uma diminuição das aposentadorias, que estão cada vez mais defasadas”, explica. “Seria interessante debater mais detalhadamente as informações apresentadas na matéria jornalística, pois não é justo colocar sobre os aposentados a responsabilidade de cumprir metas fiscais que só os prejudicam”, avalia.
Não se enganem. Apesar dos manuais de redação universitários, não existe texto jornalístico neutro: toda notícia trabalha, obviamente, com critérios de seleção, por meio dos quais se opta em incluir determinados dados em detrimento de outros. Esses critérios podem variar enormemente, mas nesse caso possuem como único objetivo reafirmar as posições ideológicas neoliberais dos setores que mais capturaram a riqueza coletiva do país nos últimos anos.
Em última análise, destruir os serviços públicos e pavimentar o caminho para que a contrarreforma administrativa se torne realidade, para que, assim, direitos universais e adquiridos à saúde, à educação, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à assistência social, à terra, à segurança alimentar e nutricional, à moradia digna, entre tantos outros, simplesmente deixem de existir ou se transformem em novos negócios para um público privilegiado.
Dados ausentes das análises do jornal
Segundo um estudo publicado pela Rede de Justiça Fiscal, em 2019 o Brasil despontava como o quinto país do mundo que mais perdia dinheiro devido ao uso de manobras para evitar o pagamento de impostos, taxas e outros tributos, evasão fiscal por multinacionais e pessoas ricas. O levantamento apontou que o país deixava de arrecadar cerca de R$ 80 bilhões ao ano.
Mais recentemente, a Auditoria Cidadã da Dívida demonstrou que a isenção de Imposto de Renda para a elite rural do país fez a renda do setor crescer em 210% entre 2017 e 2022 dentro do grupo que já constitui o 0,1% mais rico da população adulta brasileira. Somente no ano de 2022, a parcela da renda da atividade rural que ficou fora da cobrança dos impostos pela Receita Federal chegou a R$ 101 bilhões.
Em outro estudo recente (veja aqui), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) mostra uma comparação entre os resultados do Orçamento da Seguridade Social e as despesas com juros do Governo Federal. A conclusão é de que com a rolagem e pagamento de juros da dívida pública não há uma reforma da previdência, nem cortes na saúde ou educação que dê conta desses gastos. “No país, os gastos com juros consomem parcelas consideráveis dos orçamentos públicos, mas as opções políticas têm sido de subtrair direitos e precarizar serviços públicos”, destaca o estudo.
A conclusão é corroborada por matéria publicada pela BBC News Brasil que revela que o país perde ‘uma reforma da Previdência’ por ano em impostos não pagos por ricos. A matéria destaca ainda que a perda de arrecadação do Brasil com impostos não pagos por multinacionais e milionários equivale a 20% do orçamento do país destinado à saúde.
Na outra ponta da balança estão os milhões de trabalhadores e trabalhadoras do país que dependem dos serviços públicos. Segundo pesquisas conduzidas pelo IBGE, 71,1% da população brasileira têm os serviços públicos de saúde como referência; mais de 80%, da creche ao ensino médio, estuda em escolas públicas; e quase todos os municípios brasileiros (98,6%) declaram ter usuários de políticas socioassistenciais.
É inaceitável que a reportagem da Folha de S. Paulo tente reforçar com dados irresponsáveis que o problema da falta de investimentos públicos no Brasil venha do déficit previdenciário. Em artigo publicado pela Rede Brasil Atual, José Ricardo Sasseron, que já foi presidente da Anapar e diretor de Seguridade da Previ, reforça que a influência de governos conservadores, economistas neoliberais, financistas, milionários e a mídia fazem um carnaval fora de época com o pretenso déficit da previdência. A taxação dos super ricos é apontada por ele como solução para custear previdência, SUS e reativar a economia.
Seguridade social é direito
Para a Condsef/Fenadsef, a defesa da solidariedade entre os trabalhadores de diferentes gerações é e sempre será uma luta prioritária da classe trabalhadora e um direito de todos. Não podemos nos esquecer das desastrosas experiências que o modelo de capitalização da previdência trouxe a países como o Chile..
O modelo empurra idosos para a miséria, uns por não conseguir se aposentar, outros por ganhar menos de um salário mínimo do país por mês. Ao contrário do modelo solidário, na capitalização, nem governo nem empresários contribuem com a aposentadoria, só o trabalhador.
Esse modelo previdenciário falido é o mesmo que o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu implementar no Brasil. Esse projeto foi derrotado nas urnas pelo povo brasileiro. Nossa luta pelo direito à Seguridade Social e à aposentadoria digna segue apontando soluções que não rompam com direitos universais, a despeito dos interesses dos porta-vozes do Estado mínimo.
Condsef/Fenadsef