É constitucional a aplicação das regras do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) aos servidores públicos, a fim de averbação do tempo de serviço prestado em atividades especiais, com conversão de tempo especial em comum, mediante contagem diferenciada. O entendimento foi fixado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em julgamento de recurso, com repercussão geral, encerrado nesta sexta-feira (28/8).
Em sessão no plenário virtual, todos os ministros discordaram do relator, ministro Fux. O voto condutor foi do ministro Luiz Edson Fachin, para quem não há proibição expressa ao direito à conversão do tempo comum em especial pelos estados.
Fachin citou o entendimento do ministro Barroso, em outro julgado, no qual se demonstra que a aposentadoria especial do servidor guarda relação próxima com o direito à contagem diferenciada, ao interpretar o artigo 40, parágrafo 4°, da Constituição.
“Ao permitir a norma constitucional a aposentadoria especial com tempo reduzido de contribuição, verifica-se que reconhece os danos impostos a quem laborou em parte ou na integralidade de sua vida contributiva sob condições nocivas, de modo que nesse contexto o fator de conversão do tempo especial em comum opera como preceito de isonomia, equilibrando a compensação pelos riscos impostos”, disse.
O ministro levou em consideração ainda que o recurso foi levado ao Supremo em 2016, três anos antes da edição da Emenda Constitucional 103/2019. Segundo Fachin, antes da emenda poderia se afirmar que o artigo 40 da Constituição não demandava lei complementar para sua regulação.
Depois dela, no entanto, fica claro para o ministro que o Estado poderá estabelecer por lei complementar idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores em tais atividades especiais.
O ministro sugeriu a seguinte tese: “Até a edição da Emenda Constitucional 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria”.
Acompanharam a divergência os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.
O relator
Vencido, Fux entendeu que a Constituição não autoriza a averbação no salário de servidor por tempo de serviço prestado em atividades prejudiciais à saúde com a conversão em tempo comum, mediante contagem diferenciada, para obter aposentadoria.
O ministro apontou que o caso analisado demonstra a necessidade de preservar as situações jurídicas, “cuja desconstituição geraria grave lesão à segurança jurídica”.
Os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima, disse Fux, “impedem a desconstituição ou anulação de benefícios previdenciários, incluindo o de aposentadoria especial, já auferidos por servidores públicos em decorrência da averbação de tempo especial mediante contagem diferenciada em seus assentamentos funcionais”.
Não participou do julgamento o ministro Celso de Mello, afastado por licença médica.
Recurso paulista
A 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a assistentes agropecuários, vinculados à Secretaria de Agricultura, o direito à averbação de tempo de serviço prestado em atividades insalubres para concessão de aposentadoria especial.
Por falta de lei complementar federal sobre o assunto, o TJ assegurou aos servidores a aplicação das regras do RGPS (artigo 57, parágrafo 1º, da Lei 8.213/1991), aplicável aos trabalhadores celetistas.
No Supremo, o estado de São Paulo alega violação à regra constitucional do regime de previdência dos servidores públicos, que exige lei complementar específica para adotar critérios diferentes para conceder aposentadoria para servidores em atividades especiais (artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição).
O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) participou como amicus curie no processo defendendo a possibilidade constitucional da conversão. “Não se pode impossibilitar a contagem de tempo diferenciado desses cidadãos que exerceram atividades expostos a prejuízos à saúde e integridade física. Sem o direito a conversão desse tempo estaríamos prejudicando a própria essência da aposentadoria especial”, explica Nazário Nicolau Maia Gonçalves de Faria, diretor adjunto de atuação judicial do IBDP.
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RE 1.014.286
Consultor Jurídico