Alvo preferido dos governos que conduzem projetos políticos de Estado mínimo, os servidores públicos mais uma vez enfrentam a espada do corte de direitos conquistados ao longo de suas carreiras e o discurso de que são “responsáveis” pelo desequilíbrio das contas públicas brasileiras. Para contrapor essa narrativa e lutar contra cortes nos salários, entidades representativas dos servidores públicos realizam jornada de mobilizações nos meses de fevereiro e março.
Em entrevista concedida ao Comunidade em Movimento BH, Sérgio Ronaldo da Silva, Secretário-geral da Condsef – Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, com sede em Brasília, que representa cerca de 80% dos servidores do Executivo federal e empregados públicos, lembra que a redução de 25% dos salários e da jornada de trabalho é inconstitucional e está na pauta de discussão do STF, com audiência prevista para o mês de abril.
Ele afirmou que o Brasil possui menos funcionários públicos por habitantes que os EUA e que a política de arrocho não está ajudando na recuperação da economia brasileira. Além disso, a falta de investimentos públicos, agrava a desigualdade social. Leia abaixo e íntegra da entrevista.
Comunidade em Movimento BH – Quais os impactos da redução dos salários e jornada de trabalho em até 25% previsto na PEC 186 para os servidores públicos?
Sérgio Ronaldo da Silva – Não é a primeira vez que servidores e serviços públicos são eleitos como inimigos por governos que conduzem políticas de Estado mínimo, como é o caso do governo Bolsonaro, alegando que o cenário de crise econômica exige cortes no orçamento da União. A redução de salários com redução de jornada de servidores faz parte dessa política de austeridade que, no entanto, cobra o preço mais caro justamente da maioria da população que é usuária de serviços públicos. Além de tratar da retirada de direitos, a redução de salários é também algo inconstitucional e que foi colocada para discussão no próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Está prevista para abril a análise da matéria pelos ministros.
Comunidade em Movimento BH – Qual a sua avaliação sobre essas medidas?
Sérgio Ronaldo da Silva – Este é um caminho equivocado e que já mostra os efeitos perversos para a sociedade. A Emenda Constitucional (EC) 95/16, que congela investimentos públicos por pelo menos 20 anos, é prova de que o caminho do arrocho e austeridade não estão ajudando na recuperação da economia brasileira, que segue encarando uma crise que ainda deixa como reflexo mais de 12 milhões de desempregados e muitos outros milhões na informalidade. Reduzir salário e jornada de servidores é aprofundar ainda mais esse cenário de crise. Essa será uma política combatida por nós no Congresso Nacional. Defendemos investimentos públicos com realização de concursos e a valorização do servidor de carreira que está a serviço do Brasil e dos brasileiros.
Comunidade em Movimento BH – Suspensão de promoções, progressões, gratificações e concursos
Sérgio Ronaldo da Silva – Na mesma direção da redução de jornada com redução salarial, a suspensão de promoções, progressões, gratificações e concursos reforça a precarização dos serviços prestados à população. Servidores qualificados são servidores melhor preparados para atender às necessidades do País. Recentemente, a jornalista Eliane Cantanhêde, no programa “Em Pauta”, da GloboNews, deu, no trabalho dos servidores do Ministério da Saúde com o caso do novo coronavírus, um exemplo da importância de se manter servidores aptos, qualificados e preparados para enfrentar tecnicamente crises que se apresentam com potencial risco para todos. Ela destacou que independente de governos de esquerda ou direita os servidores estão lá preparados e prontos para atender as necessidade que a situação de urgência sanitária impõem. Essa é uma das essências, inclusive, da importância de se garantir a estabilidade dos servidores. E não apenas exemplos isolados comprovam a importância do servidor público e de serviços de qualidade. É, afinal de contas, obrigação constitucional do Estado assegurar, no dia a dia, o atendimento e prestação de serviços a que a população tem direito. Qualificar e valorizar o profissional que atua no setor público é parte desse processo.
Comunidade em Movimento BH – Como as entidades estão preparando a jornada de luta contra os cortes de direitos dos servidores. Além das mobilizações em Brasília está previsto alguma nos estados?
Sérgio Ronaldo da Silva – Desde o início deste ano estamos com uma agenda de mobilizações que envolve nossas entidades filiadas. Ao longo de todo mês de janeiro um trabalho de diálogo e força tarefa com parlamentares nos estados aconteceram visando buscar apoio para a pauta legislativa que afeta o serviço público. A Reforma Administrativa está no centro desse debate. Mas não só ela. Há uma lista imensa de projetos, incluindo decretos, portarias, medidas provisórias com potencial para ampliar os problemas enfrentados pelo setor público e vamos estar na linha de frente para combater todos. No próximo dia 11, lançaremos a campanha salarial unificada dos servidores federais das Três Esferas com ato às 14h em frente ao Ministério da Economia. O fórum que reúne o conjunto de servidores já solicitou uma audiência com o ministro Paulo Guedes que nunca recebeu representantes da categoria desde o início do governo Bolsonaro em janeiro de 2019. Sabemos das dificuldades e os impasses desse processo, mas estamos organizando de modo permanente a resistência. No dia 12, participaremos de atividade da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Serviços Públicos, a partir das 9h no auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados. A atividade deve contar com a presença de deputados e senadores que encabeçam e defendem no Congresso a pauta dos serviços públicos e esperamos ampliar esse apoio já que essa é uma luta de interesse da maioria da população.
Comunidade em Movimento BH – O governo considera os servidores públicos uma classe privilegiada. Vocês farão o contraponto com a sociedade?
Sérgio Ronaldo da Silva – O diálogo com a sociedade é também para nós essencial, já que impera uma narrativa patrocinada pelo governo de que todos os servidores são privilegiados. Mostrar com dados e provas que essa narrativa não corresponde à realidade é nosso desafio. Nesse processo, estamos também construindo um dia Nacional de lutas convocado pelas centrais sindicais em defesa dos serviços públicos, contra as privatizações e por soberania nacional. Será no dia 18 de março e deverá contar com atos em todo o Brasil. O combate às privatizações é outra de nossas prioridades. Nesse momento servidores de quatro estatais estão mobilizados, em greves contra o processo de privatizar tudo. Apoiamos e esperamos ampliar esses movimentos em defesa do nosso patrimônio público.
Comunidade em Movimento BH – Na avaliação da Confederação, há excesso de servidores públicos no Brasil?
Sérgio Ronaldo da Silva – Os números comprovam que não. Há hoje pouco mais de 600 mil servidores ativos para dar conta de atender às demandas de um país de dimensões continentais como é o caso do Brasil. Esse número é basicamente o mesmo da década de 90. No entanto, de lá pra cá a população só cresceu e a necessidade de investimento no setor público tem se mostrado cada vez mais necessária. O Brasil tem menos servidores por número de habitantes até mesmo se comparado aos Estados Unidos, país conhecido por seu caráter privatista e liberal. Temos, portanto, um quadro insuficiente de servidores e defendemos a necessidade urgente da abertura de concursos. O caso do retorno das filas do INSS mostra isso. Enquanto o governo quer convocar 7 mil militares para dar cabo de um problema em que não se tem conhecimento técnico para isso, concursados aprovados em 2015 estão recorrendo à justiça para serem chamados, o que seria uma solução bem mais razoável. A reposição de mão de obra não tem ocorrido deixando a situação de colapso não só no INSS, mas em outros órgãos públicos também. Mais uma vez quem pagará mais caro é a população com menor renda. Outro fator apontado por especialistas, sociólogos, economistas, incluindo presidente da Cofecom, que fez declarações recentes sobre o tema, entre outros. A falta de investimentos públicos agrava a desigualdade social, um mal que precisa ser combatido, de novo, no olhar de diversos especialistas. Não estamos sozinhos na avaliação desse cenário e é somando forças que esperamos revertê-lo.
Comunidade em Movimento BH