A convocação de 7 mil militares da reserva para reforçar o atendimento ao público nos postos do INSS é mais uma tentativa de Jair Bolsonaro de agradar sua categoria do que de fato resolver o atraso de concessões de aposentadorias e benefícios sociais, segundo o ex-ministro da Previdência Ricardo Berzoini. Para ele, o problema que o órgão enfrenta atualmente é resultado de falta de gestão, falta de planejamento e represamento proposital, tendo-se em vista que a normalidade cotidiana do INSS sempre teve fluxo intenso, com cerca de quatro milhões de pedidos por ano.
Em conversa com a Condsef/Fenadsef, Berzoini analisou as gestões de Michel Temer e de Bolsonaro, apontando que nenhum dos dois se preocupou com contratação de pessoal para o órgão. O último concurso realizado para o Instituto foi em 2015, um ano antes do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Diante dessa gestão intencional de esvaziamento do INSS, Berzoini comenta que não há surpresa alguma na situação caótica atual. O espanto, entretanto, cai sobre a decisão do governo de recorrer aos militares e lhes pagar 30% a mais de salário para que exerçam funções para as quais não são especialistas, atitude inédita na história brasileira.
Necessidade de conhecimento
“Os militares terão que ser treinados, já que não conhecem o serviço que deverão prestar. Haverá demora no recrutamento e treinamento dessas pessoas. Seria mais fácil pagar hora extra adicional aos atuais servidores ativos do órgão, convocar os aprovados em concursos anteriores ou chamar os aposentados do INSS que tiverem interesse em voltar a trabalhar”, propõe Ricardo.
Para o Secretário-geral da Condsef/Fenadsef, Sérgio Ronaldo da Silva, acreditar que o problema do Instituto é apenas a fila de atendimento dos postos é falta de compreensão do funcionamento do órgão. “O que precisa de reforço é a análise dos processos, que exige conhecimento especializado para isso”, critica.
Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS) declarou que “os servidores concursados para os cargos de Analistas e Técnicos do Seguro Social compõem força de trabalho qualificada para atuarem nas atividades finalísticas do órgão, selecionados por concurso com grau de complexidade compatível com a envergadura da função pública a ser exercida”. Dessa forma, a expectativa de que o problema no atraso de análise de processos seja resolvido em seis meses, como indicou o ministro da Economia Paulo Guedes, deve se frustrar.
Para a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps), a solução passa necessariamente por realização de concursos, não pela militarização dos serviços.
Superação do problema
Quando Ricardo Berzoini assumiu o hoje extinto Ministério da Previdência Social, em 2003, havia acúmulo de processos e demora média de três meses para apreciação dos pedidos. A situação caótica era similar com a enfrentada no momento, mas as estratégias tomadas para ampliar o atendimento público foram outras.
“Primeiro organizamos a especialização das equipes, dividindo em turmas de análise para cada tipo de benefício solicitado. Depois realizamos concurso. O INSS estava 18 anos sem contratação de servidores e fizemos o concurso em caráter emergencial. Eu tomei posse no dia 2 de janeiro e, no dia 6, tivemos autorização do presidente. Foi o primeiro concurso do governo Lula. Contratamos 4.300 novos servidores”, recorda Berzoini.
Sérgio Ronado destaca que, com o pagamento adicional dos militares da reserva convocados, seria possível realizar novos concursos e equipar o INSS com a estrutura necessária para aumentar o fluxo de análises dos processos. “O governo está mentindo para o povo. Não estão cortando gastos, mas aumentando benefícios para os militares e aparelhando o Estado com comissionados da categoria de Bolsonaro”, denuncia.
Se já existiam mais de 3 mil militares em cargos comissionados no governo, com esta convocação de força-tarefa, esse número aumentará para 10 mil. Nem durante o período da ditadura militar houve tantos militares em cargos públicos. “É uma ocupação sintomática que o militarismo está fazendo da estrutura pública. Metade dos cargos comissionados estão ocupados por eles”, ataca Silva. “Poderiam mandar os militares da reserva para as fronteiras do Brasil, para combate ao tráfico”.
Dataprev
Em 2003, além do caos de atendimento no INSS, o parque tecnológico do Dataprev também estava sucateado, o que agravava a situação. Berzoini comenta que, após investimentos realizados nas gestões de Lula e Dilma, hoje a empresa é considerada de ponta por organismos internacionais e já foi premiada por organizações privadas pela qualidade do corpo técnico e dos serviços prestados. Atualmente, a empresa está ameaçada de privatização.
O ex-ministro da Previdência condena a intenção de Bolsonaro e Paulo Guedes. “Isso é um crime contra o Brasil. O Dataprev detém informações de mais de 100 milhões de brasileiros, beneficiários do INSS, pessoas com cadastro por programas sociais. Dataprev e Serpro são empresas modernas e competentes, com baixo custo para o Estado. Se privatizadas, o sistema vai ser ainda mais prejudicado”, alerta.