O ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a falar em entrevista ao “Valor” dos planos do governo para a reforma administrativa que envolvem a digitalização do trabalho dos servidores públicos. Nos próximos anos, cerca de 40% da mão de obra ativa no setor deve se aposentar e o ministro afirma que é possível substituir todos esses trabalhadores por serviços prestados “digitalmente”.
Não é a primeira vez que Guedes toca no tema e a Condsef/Fenadsef já contextou o ministro por considerar o projeto reflexo de um enorme desconhecimento do que representam os serviços públicos e o que garante a Constituição brasileira. A substituição da classe trabalhadora e a transformação do mundo do trabalho a partir de uma revolução tecnológica foram objeto de debate de uma audiência pública na Câmara dos Deputados nessa terça-feira.
A grande provocação feita pelos especialistas sobre o assunto leva a uma pergunta: O que está acontecendo com o mundo do trabalho? Apesar do importante papel que a revolução tecnológica vem desempenhando nas relações do mundo atual o modelo das relações de trabalho criado pela chamada indústria 4.0 ainda exige muito estudo, análise e reflexão. “A indústria 4.0 passa por transformações intensas e rápidas se comparada a outros momentos de revolução no campo industrial e de produção”, observa o supervisor técnico do Dieese, Max Leno de Almeida. O professor titular da Unicamp, Ricardo Antunes, reforçou os questionamentos. Nesse novo cenário, observa Antunes, pode-se encontrar jornadas de trabalho que remetem aos primórdios da Revolução Industrial. “Jornadas de até 18 horas por dia. É isso que é o mundo moderno?”, provoca.
Novas formas de exploração
Autor do livro “O privilégio da exclusão”, o professor diz que a tecnologia está diretamente associada ao aumento de exploração de outros tipos de trabalho e serviços terceirizados. “Há um leque imenso de serviços que podem se utilizar de trabalhos intermitentes. É fundamental entender que há uma monumental industrialização dos serviços”, comenta também citando mudanças promovidas pela reforma Trabalhista que retiraram direitos de trabalhadores e trabalhadoras. Antunes ainda observa os perigos de trabalhadores e trabalhadoras se compreenderem e serem transformados em “empreendedores” por essa nova indústria enquanto são explorados. “Nesse cenário o glamour e a barbárie se intercalam e se juntam”, destaca. “Essa é uma ideia muito nefasta”.
Já Max pontuou que o setor público também está sendo bastante influenciado por essa tématica, inclusive, nos programas de privatização incentivados pelo atual governo. “Com o programa criam-se oportunidades inéditas e polêmicas”, observou. O técnico do Dieese destacou que setores com importância e relevância para a realidade brasileira podem se abrir para benefício da indústria 4.0. O que cabe refletir na avaliação da Condsef/Fenadsef é se haverá retorno positivo e qual será o impacto para os usuários desses serviços públicos destinados à população brasileira.
A questão da produtividade foi outro ponto em debate. De que maneira ela poderá ser medida e a fragilidade desse indicador foram alguns pontos levantados. “Há muito que se discutir sobre o real conceito de produtividade e reconceituá-lo diante dessa nova indústria”, acrescentou Max. O tema da é outro que precisa ser discutido dentro da realidade do setor público, pois pretende ser usado inclusive na reforma administrativa para justificar demissões. “Como é possível estabelecer um parâmetro que alcance a complexidade da prestação de todos os serviços dentro da administração pública? Esse pode ser um caminho perigoso que pode passar rapidamente para avaliações subjetivas de gestores de ocasião que podem inviabilizar até mesmo a missão e o papel do servidor público junto à sociedade”, observa Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Condsef/Fenadsef.
O secretário-geral critica ainda o fato de para nenhum desses temas o governo ter convocado representantes da categoria para o diálogo. “Não se promovem mudanças profundas em nenhum lugar sem que sejam ouvidos aqueles que tem mais experiência no assunto”, destacou. Para a Condsef/Fenadsef, alterar o modelo de Estado e desmontar o serviço público,não trarão os resultados que vem sendo alardeados como positivos. “A população brasileira que depende desses serviços e será a principal prejudicada irá perceber e deverá cobrar os responsáveis pelo colapso que estamos há algum tempo denunciando e virá a galope caso não sejam barradas essas políticas de austeridade e Estado mínimo”, alertou Sérgio.
Condsef/Fenadsef