
A participação da ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, no evento “Reforma Administrativa Já” organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para debater a Reforma Administrativa, e o anúncio do presidente da Câmara, Hugo Motta, da criação de um grupo de trabalho (GT) para discutir o tema, acendem alertas urgentes para servidores e toda a população trabalhadora brasileira.
As notícias são preocupantes e expõem uma fragilidade do governo Lula, abertamente contrário à PEC 32/20, frente a investidas do mercado contra Estado brasileiro. Qualquer reforma ligada à Administração Pública deve ser debatida diretamente com aqueles que constroem o Estado. Nesse contexto é importante relembrar o debate recente promovido pelas entidades que compõem a Aliança das Três Esferas, filiadas à CUT, sobre reforma do Estado.
A diretora de Imprensa da Condsef/Fenadsef, Mônica Carneiro, traz reflexões e formas de pensar uma reforma do Estado que esteja a serviço da população trabalhadora brasileira.
Assista ao vídeo e confira a seguir a íntegra do documento que norteia essa discussão:
A política conduzida pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) para os servidores federais tem um impacto significativo que transcende a esfera da União, incidindo diretamente sobre os estados e municípios. Ao estabelecer diretrizes para a organização da força de trabalho e para a estruturação e reestruturação de carreiras, essa política reverbera em toda a estrutura federativa, intensificando a precarização dos trabalhadores do setor público nos entes subnacionais. A imposição de modelos baseados na lógica privada, a flexibilização de vínculos empregatícios e a crescente dependência de contratos temporários e terceirizações comprometem a capacidade do Estado de oferecer serviços de qualidade e de garantir direitos fundamentais da população.
A discussão sobre a reforma do Estado no Brasil deve partir de um princípio fundamental: o Estado não é neutro. Ele reflete e expressa os interesses de classe nele estruturados. Dessa forma, partimos do combate à tecnocracia e a uma visão elitista de gestão que intentam impor uma ideia de modernização esvaziada de conteúdo político, o que desconsidera as demandas sociais e trabalhistas e aprofunda desigualdades sistêmicas.
Os servidores públicos têm um papel central nesse processo, especialmente diante da implementação de diversas “inovações” estruturadas a partir da lógica do mercado sem um debate adequado; dos novos programas voltados à gestão e ao desempenho; e do uso crescente da inteligência artificial.
A gestão pública, nesse sentido, não pode ser reduzida a um conglomerado de dados, tampouco seus processos de trabalho podem ser fragmentados e externalizados de maneira precarizada. Uma eventual “PJotização” do serviço público por novos modelos de digitalização poderá criar blocos monolíticos de gestão que tendem a alienar os trabalhadores e a desestruturar o estoque de conhecimento estatal, tornando-o vulnerável a interesses privados.
Nesse sentido, reafirmamos que não pode haver inteligência artificial sem a condução dos processos de trabalho por servidores públicos estáveis, com independência técnica e controle sobre as finalidades das políticas públicas implementadas! As chamadas “entregas” do serviço público, igualmente, devem ser direcionadas às necessidades da população trabalhadora, e não aos interesses do mercado. As carreiras públicas, nesse sentido, devem refletir a qualidade social do atendimento, de forma que qualquer processo de “modernização” e racionalização das estruturas e modelos organizacionais do país deve ser conduzido de forma crítica, baseado nas necessidades da sociedade brasileira e no combate às desigualdades.
A educação, a saúde, a previdência social, entre outras políticas, são fundamentais e estratégicas para o processo de desenvolvimento inclusivo de nossa sociedade, e não devem prescindir de princípios que assegurem a contratação de bons e permanentes quadros de servidores.
Entre os princípios fundamentais dessa discussão estão o fortalecimento das capacidades estatais por meio da reposição e ampliação do quadro de servidores por meio da contratação exclusiva por concursos públicos e Regime Jurídico Único; manutenção e ampliação do quantitativo de cargos de nível auxiliar e intermediário; unificação das tabelas salariais, por meio da redução gradativa das disparidades remuneratórias existentes no serviço público; e garantia da transição dos servidores mais antigos para as novas carreiras de políticas públicas transversais, com isonomia salarial e de direitos.
Também criticamos uma ênfase excessiva na produtividade e no mérito individual como critérios para avaliação dos servidores. Sem formas de avaliação qualitativas e coletivas, o serviço público se torna um mero cartório. A quem interessa um serviço que apenas autoriza e gerencia processos fragmentados, sem acompanhar suas implicações para a população?
Da mesma forma, a subsunção dos processos de desenvolvimento funcional (normas para progressão e promoção nas carreiras) a critériosmeritocráticos relacionados a acúmulo de horas de capacitação e escolaridade voltadas a “complexificações” burocráticas tendem a aprofundar desigualdades estruturais de gênero, região geográfica e classe social _ desigualdades que impactam as possibilidades de acesso às universidades e escolas de governo. O serviço público precisa incorporar mecanismos formativos críticos e critérios objetivos de desenvolvimento que garantam igualdade de condições entre trabalhadores, considerando as diferentes realidades sociais.
Os processos de recrutamento devem ocorrer exclusivamente por concursos públicos, assegurando estabilidade e evitando a formação de castas burocráticas. A presença de cargos de níveis Auxiliar e Intermediário deve ser garantida como forma de democratização efetiva dos processos de seleção, assim como a efetivação de cotas sociais para o acesso às funções públicas.
Outro ponto fundamental para a garantia de um serviço público comprometido com a sociedade está na condução da formação dos servidores públicos, atualmente consolidada como uma forma de domínio do capital sobre a gestão estatal. Hoje, as escolas de governo estão colonizadas por entidades como a Fundação Lemann e ONGs liberais, que impõem uma visão privatista ao serviço público. As entidades sindicais precisam disputar esse espaço, exigindo participação nas escolas de governo, de forma a garantir que a formação seja orientada pelos interesses e necessidades da população trabalhadora brasileira.
Por fim, as entidades sindicais devem estar atentas às formas de dialogar com a sociedade sobre a defesa do serviço público. Nesse contexto, devemos demonstrar que a estabilidade não é um privilégio individual do servidor, mas um princípio garantidor para o Estado e a sociedade como um todo. Seu objetivo central é resguardar a administração pública de interferências políticas e econômicas contrárias ao interesse público, ou seja, é preciso demonstrar que, sem o requisito da estabilidade, a administração pública se torna vulnerável ao assédio de grupos privados que veem no desmonte dos serviços públicos uma oportunidade para ampliar seus lucros.
A lógica da “porta giratória” – na qual servidores de altos cargos de direção são substituídos constantemente ou transitam entre o setor público e privado – compromete a independência técnica da administração. Sem estabilidade, abre-se caminho para nomeações e exonerações arbitrárias, o que facilita o aparelhamento do Estado por interesses privados.
Esse fenômeno, que tem se intensificado em setores como o de regulação econômica, saúde e educação, representa uma ameaça concreta ao interesse público. A flexibilização das formas de contratação, como a ampliação de vínculos temporários e a terceirização, também favorece esse processo.
Trabalhadores precarizados e sem garantias de permanência são mais suscetíveis a pressões políticas e econômicas, seja para flexibilizar normas em benefício de grandes empresas, seja para facilitar processos de privatização. O desmonte do Regime Jurídico Único (RJU) e a tentativa de segmentação dos vínculos trabalhistas no setor público são estratégias do capital para reduzir a força política dos servidores e abrir caminho para interesses privados.
É preciso lembrar à sociedade que a precarização do serviço público impacta negativamente todo o mundo do trabalho, servindo como referência para a redução de direitos também no setor privado. Defendemos que a qualidade das políticas públicas deve ser lastreada pelo interesse social, o que pode ser fomentado por meio de processos de consultas públicas para conduzir os processos de planejamento das organizações estatais.
Finalmente, será com esse enfoque que se poderá inculcar nas categorias do serviço público que a sua prioridade é bem atender a população trabalhadora que necessita do seu trabalho e o remunera.
Diante desses desafios, exigimos que o governo negocie com as entidades representativas das três esferas os princípios e diretrizes que têm orientado as propostas de reforma administrativa. É fundamental que o governo implemente, igualmente, uma campanha robusta de defesa e valorização dos servidores e dos serviços públicos.
A luta por um serviço público forte, de qualidade e a serviço da sociedade é uma luta de toda a classe trabalhadora!
Aliança das Três Esferas