O governo federal pode estar perdendo uma das suas bases políticas mais tradicionais: o funcionalismo público. Às declarações feitas pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, em entrevista à rádio Metrópole, na Bahia, aumentam a tensão entre a categoria e o Executivo brasileiro. Rui disse que o funcionalismo público tem “tendência à inércia” e que precisa de uma “fungada no cangote”. Entidades que representam os servidores públicos federais repudiaram a fala.
A relação está tensionada desde o início do ano. Na última reunião da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) — que discutiu o reajuste salarial para os servidores públicos federais —, realizada no dia 28 de fevereiro, nada ficou decidido em relação ao reajuste salarial que a categoria reivindica. O governo rejeitou a contraproposta das entidades e manteve então apenas o reajuste de 9% para 2025 e 2026, fracionados em parcelas de 4,5%.
O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate), a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) e outras centrais sindicais pedem um reajuste de 34,32% dividido em três parcelas, em 2024, 2025 e 2026. Sem o reajuste, servidores federais já ameaçam greve.
Agora a situação se complica, além do impasse na Mesa Nacional de Negociação Permanente, a fala do chefe da Casa Civil pode agravar um clima já quente. “Quando você não vê aquilo que você queria que acontecesse no prazo correto, no tempo correto, evidentemente que a temperatura sobe um pouquinho e a cobrança vem como qualquer outra. E é bom que seja assim. Digo sempre que quem é prefeito, governador, presidente da República tem que pisar no calcanhar, fungar no cangote para as coisas andarem”, disse o ministro.
Repúdio
Em nota de repúdio, o Fonacate afirmou que as declarações do ministro são exemplos “típicos de assédio institucional”. O grupo também comparou a fala com governos anteriores, pois segundo o Fórum, a frase “repete ataques sistemáticos” contra funcionários públicos feitos no governo de Jair Bolsonaro (PL), quando o então ministro da Economia, Paulo Guedes, “chamou os servidores de “parasitas’. O grupo cobra retratação do ministro
“A fala revela inépcia do titular da pasta para endereçar questões ligadas ao serviço público brasileiro, justamente no momento em que esses 11,5 milhões de trabalhadores têm sido tão decisivos para que o país retome seu caminho de desenvolvimento econômico e social”, declarou a entidade na nota.
O Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado da Bahia (Sinpojud), relembrou o histórico do ministro com o servidor público.
“Historicamente, Rui Costa tem atacado o funcionalismo público, com iniciativas que, envoltas pelo discurso neoliberal da ‘modernização’, se revelam como práticas de arrocho salarial e retirada de direitos. Seu mandato no governo estadual da Bahia foi marcado pela reforma previdenciária e administrativa, contraditoriamente contrário ao que defendia na Câmara Federal o seu partido político, o PT. É vergonhoso que um ministro de Estado da Bahia, filiado ao PT, tenha uma visão míope, estereotipada e desrespeitosa, que apenas contribui para a desqualificação do serviço público brasileiro”, descreveu em nota.
Fala inapropriada
Para o analista político Leandro Gabiatti. a fala do ministro foi inoportuna e será profundamente aproveitada pelas entidades que representam os servidores públicos federais. “É parte do jogo político. A fala será usada para aumentar o atrito entre governo e o servidor público. O atrito deve continuar já que o governo deve esperar até abril para propor outro acordo de reajuste, já que espera o real aumento na arrecadação, avaliação que só deve ocorrer a partir do próximo mês”, explica.
Apesar da tensão, para o especialista, o atrito iria acontecer em qualquer governo, seja ele mais próximo do eleitorado do funcionalismo público ou não.
Correio da Manhã