Criado em 29 de outubro de 1952, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) completa 70 anos neste mês, porém, o sentimento de celebração foi tomado pelo lamento. Com perdas orçamentárias recorrentes e falta de concursos públicos há mais de uma década, o órgão ‘respira por aparelhos’, enquanto assiste a total inviabilização de suas pesquisas.
“Acho que não tem muito o que comemorar. O instituto está no fundo do poço, sem a mínima condição de fazer qualquer tipo de pesquisa. Está com o quadro defasado, porque os servidores se aposentam. Um órgão que já teve 1,2 mil trabalhadores, hoje está com algo em torno de 460. É lamentável”, comenta a pesquisadora e servidora de carreira do Inpa, Sônia Alfaia.
Ela também critica a atual falta de diálogo entre os servidores e a direção do instituto. O Inpa se tornou um ambiente ‘insalubre’, com assédio moral, perseguição contra técnicos e pesquisadores da instituição. O corte mais recente é datado do início de outubro, justamente no mês de aniversário do órgão de pesquisa. No último dia 6, a Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento publicou a Portaria n°. 8.893, abrindo crédito suplementar em favor dos Ministérios da Economia e do Desenvolvimento Regional.
Direção
Na prática, o governo federal retirou dinheiro de programas e projetos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) – afetando o Inpa – para repassar a outras pastas federais. Somadas as perdas, o valor chega a R$1,2 bilhão, segundo nota assinada pelas principais entidades de defesa da ciência brasileira.
Além da perda orçamentária, um dossiê produzido por servidores do próprio Inpa revelou que 9 a cada 10 pesquisadores já recebem abono de permanência, ou seja, podem se aposentar. De maneira geral, considerando pesquisadores e técnicos do órgão, mais da metade (51%) já pode se aposentar. O último concurso para preenchimento de vagas na instituição aconteceu há dez anos, em 2012.
Estrutura
Não bastasse o cenário de desmonte vivido pelo Inpa, em 20 de setembro passado, a atual diretoria ordenou a criação de um novo regimento interno e organograma, gerando uma série de consequências danosas, como a extinção da Coordenação de Pesquisa em Tecnologia e Inovação (Cotei). Na prática, ficam prejudicados os estudantes da pós-graduação, hoje responsáveis pela continuidade da pesquisa no Inpa.
“A gente vive numa época com muita falta de transparência. Não existe diálogo com a direção. Há três semanas, eles modificaram a estrutura organizacional sem consultar a comunidade, então, encaminhamos uma carta ao ministro pedindo que ele cancelasse imediatamente a proposta”, afirma Sônia.
Resistência
Dados divulgados pela SBPC apontam que o auge de investimento em ciência no Brasil, por meio dos órgãos de fomento à pesquisa (CNPq, Capes e FNDCT) aconteceu em 2015. Naquele ano, mais de R$13 bilhões foram destinados ao setor. O número passou a cair expressivamente (R$9,43 bilhões) a partir do ano seguinte, quando Michel Temer (MDB) assumiu a presidência. Já no primeiro ano do atual governo, chegou a R$5 bilhões.
Apesar do atual cenário, o secretário-geral do Sindsep-AM, Walter Matos, destaca o papel de resistência dos servidores em meio ao desmonte no setor de C&T. “Mesmo em meio a toda essa crise, é preciso falar dos competentes servidores que ao longo das últimas décadas deram o melhor de seu profissionalismo para aumentar o conhecimento sobre o mundo que nos cerca e propor soluções para os problemas do bioma amazônico. São 70 anos de contribuição para o desenvolvimento da nossa região”.
Ele destaca ainda a necessidade de os servidores continuarem mobilizados, seja com protestos ou por meio de denúncias sobre as condições vistas no Inpa. “Os cortes do governo federal no investimento em ciência e educação são um crime contra o presente e o futuro do Brasil. Chega de sermos o país do futuro. Está na hora de sermos o país do presente. Recursos naturais nós temos. Excelência em pesquisa também”, pontua.