Utilizando o auxílio emergencial como objeto de chantagem, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e Paulo Guedes conseguiu a aprovação da PEC por 62 votos a 14. Caso a proposta seja aprovada na Câmara, União, estados e municípios passam a ter gatilhos a serem acionados caso a relação de despesa e receita supere os 85%. Na prática, 14 estados já estariam em condições de aplicar os gatilhos imediatamente, prejudicando diretamente servidores e servidoras e, ao mesmo tempo, aprofundando o processo de desmonte dos serviços públicos e, assim, gerando prejuízos para toda a população que deles faz uso.
Entre os 14 estados que poderiam aderir imediatamente às medidas de “ajuste fiscal”, está o Rio Grande do Sul. É o caso, também, de Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.
A proposta aprofunda os efeitos da emenda constitucional 95/2016 (de Michel Temer, que congelou o orçamento dos serviços públicos por vinte anos), e com isso ficam prejudicados instrumentos fundamentais de proteção a direitos, como o Sistema Único de Saúde. Os gatilhos previstos na PEC podem, por exemplo, impedir o financiamento de novos leitos de UTI no combate à Covid-19.
Entram R$ 44 bilhões para o auxílio emergencial… saem R$ 150 bilhões dos salários
Conforme os cálculos de Paulo Guedes, o congelamento salarial de servidores e servidoras irá liberar R$ 150 bilhões: “Não vamos tirar nada de ninguém, é só não aumentar o salário. Ficar sem aumento ano passado e esse ano é R$ 150 bilhões”, disse o ministro da Economia. A ideia de que a PEC “não tira nada de ninguém”, no entanto, é ilusória: os recursos liberados não irão, por exemplo, para o SUS, nem sequer para o auxílio emergencial. Isso porque, por decisão do próprio governo, a PEC limitou os gastos com o auxílio a R$ 44 bilhões. Emenda do PT que pretendia derrubar essa limitação foi derrotada. Assim, Bolsonaro e Guedes liberam mais recursos para destinar aos credores da dívida pública: tira-se dos serviços públicos que garantem direitos ao povo e entrega-se ao sistema financeiro. Além disso, incluída na Constituição, a política de congelamento passa a ser permanente, enquanto o auxílio emergencial deverá durar apenas alguns meses – especialmente com a limitação imposta pelo governo.
Não resta outra alternativa para impedir esse “Robin Hood às avessas” a não ser reforçar a pressão sobre deputados e deputadas para barrar a PEC Emergencial. O auxílio emergencial, fundamental para garantir alguma renda à população mais vulnerável – um setor crescente – não pode ser utilizado como objeto de chantagem para que Bolsonaro e Guedes realizem seu projeto de desmonte dos serviços públicos. Nos próximos dias, será necessário ampliar as ações para convencer os parlamentares a derrubarem os “gatilhos” e garantirem o auxílio emergencial sem que isso significa tirar dinheiro de aparelhos garantidores de direitos do povo para despejar recursos nos bolsos dos banqueiros.
Tramitação
O deputado Marcelo Ramos (PL-AM), 1º vice-presidente da Câmara, informou em rede social que a expectativa é de que a Casa comece a analisar a matéria, diretamente em Plenário, na próxima terça-feira, 9, a partir das 9h da manhã. A votação do texto está prevista para quarta-feira, 10.
Entenda como funcionam os gatilhos e quais as restrições
Os gatilhos têm como objetivo permitir que, com muita facilidade, os chefes do Executivo congelem as despesas obrigatórias. Veja abaixo o que é preciso para os gatilhos serem acionados:
União
– Relação entre despesas primárias obrigatórias e despesas primárias totais acima do limite de 95%: presidente é autorizado a acionar diversos gatilhos de contenção das despesas; pode não fazê-lo, mas, se assim proceder, ficam impedidos de pedir empréstimos para ajustar as contas
– Elevação das despesas correntes acima do limite de 85% das receitas correntes: presidente pode acionar os gatilhos por ato próprio, sendo facultado aos demais Poderes e órgãos autônomos implementá-los em seus respectivos âmbitos, não havendo proibição de empréstimos caso não o faça. Esses atos deverão ser submetidos em regime de urgência ao Poder Legislativo
– Quando for decretado Estado de Calamidade, aprovado pelo Congresso, independentemente de as receitas e despesas estarem ajustadas ou não: mesmos gatilhos podem ser acionados, vigorando por até dois anos.
Estados e municípios
– Elevação das despesas correntes acima do limite de 95% das receitas correntes: prefeitos e governadores são autorizados a acionar diversos gatilhos de contenção das despesas; podem não fazê-lo, mas, se assim procederem, ficam impedidos de pedir empréstimos para ajustar as contas. Ou seja, são praticamente obrigados.
– Elevação das despesas correntes acima do limite de 85% das receitas correntes: prefeitos e governadores podem acionar os gatilhos por ato próprio, não havendo proibições de empréstimos caso não o façam. Esses atos deverão ser submetidos em regime de urgência ao Poder Legislativo
A munição
Caso os gatilhos sejam acionados, os efeitos são graves. Os salários dos servidores e servidoras já estão congelados, mas, a isso, somar-se-ia também o congelamento das promoções e progressões. Passam a ser vedadas ou suspensas, com o acionamento dos gatilhos, as seguintes ações:
– concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração;
– criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
– alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
– admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título;
– realização de concurso público;
– criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório;
– criação de despesa obrigatória;
– adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação;
– criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções;
– concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária;
– progressão e de promoção funcional em carreira de agentes públicos, quando o respectivo interstício se encerrar no exercício financeiro.
Condsef