O Ministério da Defesa, representando o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, obteve, junto à Advocacia-Geral da União (AGU), um aval permitindo que militares da ativa ou da reserva que tenham cargo adicional no setor público possam receber rendimentos acima do teto constitucional, que é de R$ 39 mil. O parecer que autoriza a medida foi assinado pelo então advogado-geral da União, André Mendonça, em 9 de abril, abrindo espaço para que essa decisão fosse aplicada à toda a administração pública. Em 29 de abril, contudo, o ministério recuou do pedido temporariamente em razão da pandemia e pediu a suspensão do parecer.
A decisão favorável da AGU, agora suspensa, permitiria que o teto salarial fosse aplicado isoladamente sobre cada remuneração do servidor, e não sobre a soma dos dois salários. Essa mudança de entendimento faria com que alguns servidores passassem a receber acima do limite constitucional, como, por exemplo, alguns militares da reserva que integram o primeiro escalão do Executivo.
Procurado, o ministério da Defesa reafirmou o interesse para que o teto seja aplicado de forma isolada sobre os rendimentos daqueles que têm acúmulo de cargos, alegando que há precedentes dessa aplicação nos poderes Legislativo e Judiciário. O pleito atual, portanto, permitiria “a partir de seus efeitos no Poder Executivo, a manutenção do princípio da isonomia entre os poderes”. Sobre a suspensão, a pasta informou que “em função do momento atual, em que os esforços da Administração Pública Federal estão todos concentrados e voltados para o enfrentamento da pandemia, entendeu que deveria encaminhar pedido de reexame para a suspensão do parecer”.
A Constituição Federal veda que o funcionalismo público (seja ele civil ou militar) acumule rendimentos acima do teto, embora penduricalhos isentos do redutor, como o auxílio moradia, tenham sido acrescidos à remuneração de determinadas categorias no decorrer dos anos, permitindo os chamados “supersalários”.
Na última semana, o Congresso já havia aprovado um projeto em favor da remuneração de militares. A categoria foi excluída da lista de servidores que teriam os reajustes salariais suspensos em razão das contrapartidas exigidas pelo Ministério da Economia para a concessão do pacote de ajuda aos estados e municípios, para arcar com as perdas de receita decorrentes da pandemia.
DECISÃO DO STF
O pleito da Defesa decorre de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2017, sobre um caso específico envolvendo um militar aposentado com cargo em outra instituição pública. Ele recebia, portanto, a aposentadoria e o salário, num total que ultrapassava o teto. O militar entrou na justiça pelo direito de receber a dupla remuneração, sem o redutor salarial, e o caso foi parar no STF.
Exceto o ministro Luiz Edson Fachin, todos os magistrados votaram favoravelmente à autorização da dupla remuneração acima do teto. Os ministros acataram a tese de que a aplicação do teto deveria ocorrer isoladamente sobre cada salário, e não sobre o valor total recebido pelo indivíduo. Eles entenderam que, ainda que prevista na Constituição, a aplicação do abate-teto sobre o todo privaria o militar em questão de ser remunerado por um dos trabalhos exercidos. “Impedir que alguém que acumule legitimamente duas funções, dois cargos, receba adequadamente por elas significa violar um direito fundamental, que é o do trabalho remunerado”, disse o ministro Luis Roberto Barroso, em seu voto.
Contudo, por se tratar de uma decisão de repercussão geral da Corte, ela seria válida apenas para casos idênticos ao julgado, sem efeito vinculante na administração pública. Em 2018, o plenário do Tribunal de Contas da União também fixou entendimento sobre o tema, seguindo o STF.
Com o parecer da AGU, torna-se automática a aplicação do teto isolado para cada rendimento, como no caso autorizado pelo STF. Isso significa que um militar com vencimento de R$ 20 mil nas Forças Armadas e R$ 25 mil no Executivo Federal receberia ao final do mês $ 45 mil, já que, isoladamente, nenhum dos rendimentos ultrapassaria o teto.
O Ministério da Economia, contudo, é contra a mudança. Consultada, a pasta emitiu parecer em 13 de março afirmando não haver previsão constitucional para o acúmulo de remuneração acima do teto. Diz o documento: “Não há fundamento legal que ampare o direito de receber valores superiores ao teto constitucional, uma vez que a Constituição Federal veda a remuneração/proventos/pensão ou qualquer outra vantagem acima do teto estabelecido”.
Menos de um mês depois, em 8 de abril, um parecer assinado pela advogada da União, Fernanda Raso Zamorano, acatou as ponderações feitas pela Defesa, formando um entendimento de que o teto deve ser aplicado separadamente para cada remuneração que um servidor (civil ou militar) receber na Administração Pública. Diz a advogada da União: “em razão de uma interpretação que prestigia os princípios da isonomia, da valorização do trabalho (…) o teto remuneratório deve ser considerado isoladamente para cada um dos cargos, e não em relação ao somatório dos ganhos do agente público”.
No dia seguinte, o parecer de Zamorano foi chancelado pelo Advogado-Geral da União André Mendonça, que agora é ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro. Todos os ministérios foram imediatamente informados sobre a mudança de entendimento. Tornou-se, portanto, a nova orientação válida para o poder público. Contudo, em 29 de abril, a Defesa pediu a suspensão do parecer favorável da AGU alegando que todos os esforços da administração deveriam estar voltados para o combate à pandemia. O documento foi suspenso até segunda ordem. Procurada, a AGU disse que não poderia comentar, já que o parecer se encontrava em análise.
Revista Época