O pronunciamento de ontem, 25, do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) em rede nacional comprovou o perfil irresponsável e inconsequente do governante, em benefício de um grupo pequeno de empresários afortunados. Enquanto a Organização Mundial de Saúde recomenda expressamente o isolamento social, ao mesmo tempo em que países desenvolvidos entram em colapso econômico e sanitário, acumulando mortes a cada dia, no Brasil, Bolsonaro insiste em contrariar entidades competentes, estadistas, especialistas e sua própria equipe. Até ontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta ressaltava à população a necessidade de ficar em casa.
A Condsef/Fenadsef, representante da maioria dos servidores públicos federais, incluindo trabalhadores da saúde, condena a fala de Bolsonaro e destaca que o discurso sacrifica trabalhadores, colocando-os em risco de contaminação, para proteção da fortuna de poucos patrões. A posição do presidente foi endurecida após reclamações públicas de empresários que apoiaram sua candidatura nas eleições de 2018, como Luciano Hang (dono das lojas Havan) e Junior Dursky (dono dos restaurantes Madero). Em vídeos, diante das medidas de restrição que fecharam comércios como forma de proteção da saúde pública, Hang ameaçou demitir mais de 20 mil funcionários e Dursky criticou o que ele chamou de “lock down“, afirmando que o Brasil não poderia parar por conta de 5 ou 7 mil mortes.
Inicialmente, para agradar empresários, Bolsonaro editou nesta semana a Medida Provisória 927/2020, que permitia explicitamente a suspensão de salários de trabalhadores por um período de quatro meses, com a justificativa de “preservar empregos”. Após críticas, o presidente voltou atrás e retirou o artigo 18º da MP. Entretanto, especialistas afirmam que texto mantido ainda pode permitir suspensão de salários. Condsef/Fenadsef repudiou a ação e avalia recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Para Sérgio Ronaldo da Silva, Secretário-geral da Confederação, é possível superar a crise sem sacrificar os trabalhadores. “Colocar a população em risco enquanto observamos os números assustadores de mortes crescerem no mundo todo é uma opção cruel, tirana e inconsequente. Essa medida está longe de ser necessária. O Brasil consegue investir mais em saúde e arcar com assistência social dos trabalhadores afetados se parar de pagar a dívida pública, que desvia bilhões todos os meses dos cofres públicos”, argumenta.
“O Conselho Nacional de Saúde também já pediu a imediata revogação da Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos públicos por 20 anos. R$ 20 bilhões já deixaram de ir para o SUS com essa medida aprovada no governo de Michel Temer. Ainda é possível taxar as grandes fortunas. O dono da Havan, por exemplo, entrou este ano na lista de bilionários da Fobes e tem condições totais de arcar com parte de seus lucros sem demitir nenhum funcionário. Mas o que ele faz é chantagear o trabalhador e pressionar o governo para continuar lucrando às custas da miséria brasileira”, analisa Silva.
Repercussão
Na manhã desta quarta-feira, 25, diversas autoridades e entidades repudiaram o pronunciamento de Bolsonaro. Em nota, o presidente e o vice-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Antônio Anastasia (PSD-MG), consideraram graves as declarações do presidente e pediram responsabilidade. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) criticou a fala e a considerou equivocada ao atacar a imprensa, os governadores e os especialistas em saúde pública.
Secretários estaduais de Saúde de todo o Brasil divulgaram carta, por meio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), afirmando estarrecimento diante do pronunciamento. “Não podemos permitir o dissenso e a dubiedade de condução do enfrentamento à Covid-19. Assim, é preciso que seja reparado o que nos parece ser um grave erro do Presidente da República”, publicaram.
Entidades de saúde coletiva e da bioética consideram intolerável e irresponsável o “discurso da morte” feito por Jair Bolsonaro. Sete associações e organizações escreveram que, na manifestação “incoerente e criminosa”, Bolsonaro “nega o conjunto de evidências científicas que vem pautando o combate à pandemia da COVID-19 em todo o mundo, desvalorizando o trabalho sério e dedicado de toda uma rede nacional e mundial de cientistas e desenvolvedores de tecnologias em saúde”. Elas pedem ações das instituições da República para frear a irresponsabilidade do presidente.
Indignado, Sérgio Ronaldo da Silva convoca os servidores e os trabalhadores de todo o País para protestarem de suas janelas contra o que ele considera um desgoverno. “Se pudéssemos sair de casa, deveríamos ir para as ruas todos os dias contra essa postura condenável de Bolsonaro. Como não podemos, porque somos responsáveis e obedecemos as recomendações dos especialistas em saúde, chegou o momento de fazermos barulho diariamente, para que o presidente escute a nossa voz e faça o que é seu dever: seguir o que o povo pede”, finalizou.
Condsef/Fenadsef